Dinheiro é o menor obstáculo para conservação da Amazônia

Pesquisa estimou valor para manter 83% da região conservada; custo é mínimo quando comparado à arrecadação anual do país

Em 2021, o Brasil arrecadou R$1,878 trilhões em impostos, segundo a Receita Federal. Enquanto isso, o custo anual para manter áreas de conservação em mais de 80% da Amazônia brasileira não chega a 1% dessa quantia.

É o que mostra um estudo publicado na revista Perspectives in Ecology and Conservation, em que pesquisadores calcularam os custos de gerenciamento de um sistema de conservação para 83% da região, que somam R$14,1 bilhões por ano, além de adicionais R$8,1 bilhões para o estabelecimento de novas áreas de proteção.

O estudo foi feito por um consórcio entre a Conservação Internacional Brasil e cientistas das Universidade de Miami, Universidade Federal do Rio de Janeiro e Museu Paraense Emílio Goeldi.

O consórcio mapeou unidades de conservação na Amazônia, além de terras indígenas, terras públicas não destinadas — terras que não possuem função específica — e outras áreas prioritárias de conservação não destinadas. Depois, os pesquisadores analisaram a possibilidade de transformar terras sem destinações em novas áreas de conservação.

Para alcançar 83% da Amazônia em áreas conservadas, o estudo previu ser necessário incorporar 1.375.340 km² de terras públicas não destinadas a unidades de conservação já existentes. Além de aumentar o território protegido, essa incorporação daria uma nova função a terras que antes não eram utilizadas.

Após mapear o território, os autores calcularam o custo completo de se manter áreas de conservação a partir de um modelo de despesas já utilizado em outras unidades preservadas da Amazônia.

Este valor é composto por diferentes despesas. Desde a criação de novas áreas de conservação (com preços de atividades de demarcação de terras, estudos biológicos, avaliações sociais e consulta às partes interessadas) à administração (salários do pessoal, combustível, manutenção da infraestrutura, assistência e engajamento comunitário, monitoramento e avaliação). Por fim, há também os custos de gestão do sistema de conservação com um todo (administração nacional e regional, orçamento e seleção de novos locais).

De acordo com José Maria Cardoso da Silva, professor titular do Departamento de Geografia e Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Miami e um dos autores do estudo, o custo total do sistema de conservação pode ser calculado com base no custo da administração, que está diretamente relacionado aos outros dois custos.

Seguindo o modelo de despesas já utilizado em outras unidades de preservação, os autores calcularam que o valor do custo de criação de novas áreas é quase o dobro do custo da administração. Já o custo da gestão do sistema varia entre 15 a 20% do custo da administração.

Para chegar ao custo total de um sistema de conservação que abranja 83% da Amazônia, os pesquisadores encontraram primeiro o valor das despesas com a administração, somando despesas de criação de novas áreas, da administração e da gestão do sistema.

“Com base nessas proporções, fizemos o cálculo do custo para a região inteira. Calculamos o valor para cada uma das áreas e depois somamos todas”, explica Silva.

Como os valores dos salários dos trabalhadores das reservas variam em diferentes regiões da Amazônia, o valor estimado pela pesquisa tem variações. Para conservação de 83% da Amazônia, o valor aproximado a ser desembolsado seria entre R$8,5 e R$14,1 bilhões por ano, com um investimento inicial de criação de novas áreas de conservação entre R$5 e R$8,1 bilhões.

Os autores da pesquisa sugerem que, para englobar essa área, um novo fundo de financiamento descentralizado e ágil seria necessário. Hoje, o Programa de Áreas Protegidas da Região Amazônica (ARPA) e o Fundo Amazônia (desativado no início do governo Bolsonaro) são os principais recursos de conservação do bioma, mas são insuficientes.

“Eu acho que o nosso estudo deixa muito claro que a conservação de 83% da Amazônia é possível. É uma questão simplesmente de alocar os recursos necessários para fazer as coisas acontecerem. O problema não é a falta de dinheiro, é como o dinheiro é investido”, lembra Silva.

“Os investimentos que vão para a conservação da Amazônia não serão investimentos perdidos. A unidade de conservação por si só não restringe o desenvolvimento econômico. Ao contrário, ela pode facilitar o desenvolvimento de vários lugares que não têm uma atividade econômica muito forte”, completa.

Como os benefícios da conservação são importantes para o planeta como um todo, os autores também salientam a importância de investimentos de outros países e de iniciativas privadas nos projetos de preservação.

Silva acrescenta que, devido ao papel relevante da Amazônia no enfrentamento de duas das maiores crises globais (as mudanças climáticas e a perda da biodiversidade), o Brasil tem a legitimidade de pedir ajuda estrangeira para protegê-la.

“O resultado tem que ser muito claro. Se precisamos de R$14,1 bilhões por ano para manter a Amazônia, quem vai pagar? Como é que vamos pagar? Como vamos conseguir contribuições de todo o mundo e fazer com que esse dinheiro realmente chegue nas unidades de conservação e realmente beneficie a conservação da região?”, questiona.

Para ele, a melhor forma de conseguir transparência nos investimentos é com um orçamento aberto onde fique claro quem está contribuindo com o quê.

Implementação

A forma como as áreas de conservação serão implementadas é tão importante quanto a questão monetária quando se trata de preservação ambiental. No artigo, os pesquisadores apresentam quatro ações estratégicas para conservar os 83% da Amazônia brasileira.

As ações, de acordo com o estudo, incluem “manter a integridade das unidades de conservação existentes e das terras indígenas, alocar terras públicas não designadas a áreas públicas de conservação, criar incentivos financeiros para que os proprietários privados convertam a parte de suas terras que deve ser conservada para reservas privadas de patrimônio natural (RPPNs), para cumprir com a Lei de Proteção à Vegetação Nativa (Lei nº 12727), e criar um mecanismo de coordenação regional para promover a integração entre as áreas de conservação da região.”

Essas ações seriam implementadas para desestimular atores que buscam lucro com o desmatamento e a exploração da terra, incentivando os proprietários de terras a criar e manter as RPPNs. Além disso, os autores propõem a criação de instrumentos de capacitação desses proprietários.

Para o doutor em Agricultura Tropical e pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Amazônia Oriental, Silvio Brienza Junior, que não participou da pesquisa, apesar do valor calculado pelo estudo ser mínimo, a falta de políticas públicas e o atual desmonte político não deixam boas perspectivas de alcance dos 83% de áreas da Amazônia conservadas. “No contexto político atual, é uma utopia”, afirma.

Brienza Junior afirma que, em um cenário de implementação de um projeto de conservação como o proposto pelo artigo, a assistência à população que permanecerá nas áreas de proteção é essencial para que aceitem a proposta e permaneçam nas terras.

Para o pesquisador, um mecanismo de conexão entre as partes, ou seja, entre os pequenos produtores e possíveis consumidores auxilia no processo de aceitação.

Afinal, sem o auxílio de um mecanismo de conexão, o produtor familiar de áreas isoladas precisa lidar com toda a logística da cadeia produtiva sozinho e ainda enfrentar o preço mais barato de produtores maiores no mercado,

“Não são pessoas que querem se dar bem ou que querem viver como preguiçosas, como falam. São pessoas de bem, outras realidades. Então essa conexão das partes [ajuda a ter] uma boa comercialização dos produtos, ter a semente melhorada, ter uma orientação melhor.”

Foto em destaque: Freepik.

 

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