Políticas de precificação da natureza pelo mercado sustentam crise global de biodiversidade, diz relatório

capa do relatório sobre valor da natureza
Levantamento internacional aponta mais de 50 métodos que valoram a natureza de forma mais completa.

O valor atribuído à natureza nas decisões políticas e econômicas é, ao mesmo tempo, causador da crise global da biodiversidade e oportunidade para enfrentá-la, diz um relatório publicado nesta segunda-feira (11) por 82 cientistas que analisaram durante quatro anos diferentes metodologias de valoração dos recursos naturais.

Aprovado no sábado (9) por representantes dos 139 Estados membros da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos da ONU (IPBES), o IPCC da biodiversidade, o relatório Avaliação sobre os Diversos Valores e Valorização da Natureza constata que, ao focar nos lucros a curto prazo e no crescimento econômico, o mundo exclui diferentes formas de atribuir valor à natureza nas decisões políticas.

As decisões econômicas e políticas priorizam valores instrumentais da natureza baseados no mercado, como os números da agricultura intensiva. Embora privilegiados na formulação de políticas públicas, a precificação feita pelo mercado não reflete adequadamente como as mudanças na natureza afetam a qualidade de vida das pessoas.

A formulação dessas políticas negligencia valores não-mercadológicos associados às contribuições da natureza às pessoas, como a regulação climática e a identidade cultural.

“Com mais de 50 métodos e abordagens de avaliação, não faltam maneiras e ferramentas para tornar visíveis os valores da natureza”, avalia o pesquisador Unai Pascual (Espanha/Suíça), que co-presidiu a análise juntamente com Patrícia Balvanera (México), Mike Christie (Reino Unido) e Brigitte Baptiste (Colômbia).

Profundamente interdisciplinar e, com base em uma grande revisão realizada por especialistas em ciências sociais, economia e humanidades, o relatório se baseia em mais de 13.000 referências — incluindo artigos científicos e fontes de informação de conhecimento indígena e local.

O relatório também usa dados da Avaliação Global do IPBES de 2019, que identificou o papel do crescimento econômico como um fator-chave para a perda da natureza, calculando em 1 milhão o número de espécies de plantas e animais em risco de extinção atualmente.

Para ajudar os políticos a entenderem melhor as diferentes formas em que as pessoas concebem e valoram a natureza, o relatório fornece uma tipologia nova e abrangente para “valor”. A tipologia destaca as diferentes visões de mundo e sistemas de conhecimento que influenciam como as pessoas interagem e atribuem valor à natureza.

Os autores apresentam quatro perspectivas gerais. São elas: viver da natureza, com a natureza, na natureza e como parte da natureza.

Viver da natureza enfatiza sua capacidade de prover recursos para as necessidades e os desejos das pessoas, como alimentos e bens materiais. Viver com a natureza tem um foco na vida “diferente da humana”, como o direito intrínseco dos peixes em um rio de prosperar independentemente da humanidade. Viver na natureza refere-se à importância da natureza como o cenário de pertencimento e identidade. Viver como a natureza vê o mundo natural como uma parte física, mental e espiritual de si mesmo.

O relatório observou também que o número de estudos sobre o valor da natureza aumentou em média mais de 10% por ano nas últimas quatro décadas.

O foco mais proeminente dos estudos recentes (2010-2020) tem sido a melhoria da condição da natureza (65% dos estudos analisados) e a melhoria da qualidade de vida das pessoas (31%), com apenas 4% focados na melhoria das questões de justiça social. 74% dos estudos se concentraram em valores instrumentais da natureza, com 20% focalizados em valores intrínsecos, e apenas 6% focados em valores relacionais.

“O relatório fornece aos políticos ferramentas e métodos concretos para entender melhor como indivíduos e as comunidades atribuem valor à natureza”, continua Unai Pascual.

“Valores podem ser medidos usando diferentes métodos de avaliação e indicadores. Um projeto de desenvolvimento pode produzir benefícios econômicos e empregos, para os quais valores instrumentais da natureza podem ser avaliados, mas também pode levar à perda de espécies, associada a valores intrínsecos da natureza, e à destruição de territórios importantes para a identidade cultural, afetando assim os valores relacionais da natureza”, assevera.

De acordo com o pesquisador Mike Christie, atribuir valor é um processo explícito e intencional. “O tipo e a qualidade das informações que os estudos de valoração podem produzir dependem em grande parte de como, por que e por quem a avaliação é projetada e aplicada”.

Para o pesquisador, o ponto de partida influencia quais valores da natureza serão reconhecidos e como os benefícios e encargos dessas decisões seriam distribuídos de forma justa.

“Reconhecer e respeitar as cosmovisões de mundo dos povos indígenas e comunidades locais permite que as políticas sejam mais inclusivas, o que também se traduz em melhores resultados para as pessoas e para a natureza”, complementa a pesquisadora colombiana Brigitte Baptiste.

“O reconhecimento do papel da mulher na administração da natureza e na superação de assimetrias de poder frequentemente relacionadas ao status de gênero, pode fazer avançar a inclusão da diversidade de valores nas decisões sobre a natureza”, conclui a pesquisadora.

O relatório constata que há uma série de ideais de valoração que podem ser alinhados com a sustentabilidade, enfatizando princípios como unidade, responsabilidade, administração e justiça, tanto para com outras pessoas quanto para com a natureza.

Para os autores, as soluções passar pelo: 1) Reconhecimento os diversos valores da natureza; 2) incorporação os diferentes modos de valorar a natureza na tomada de decisões; 3)reforma de políticas e regulamentos para internalizar os valores da natureza; 4) mudança de normas e metas da sociedade para se alinhar com os objetivos globais de sustentabilidade e justiça.

Para a presidente do IPBES, Ana María Hernández Salgar, a biodiversidade está sendo perdida e as contribuições da natureza para as pessoas estão sendo degradadas mais rapidamente agora do que em qualquer outro período da história humana.

“Isto se deve em grande parte ao fato de que nossa atual abordagem nas decisões políticas e econômicas não leva suficientemente em conta a diversidade dos valores da natureza”.

Os dados do relatório podem ser encontrados aqui

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