Mentiras sustentam proposta de mineração em terras indígenas

foto de uma área de floresta com clareiras de barro abertas. Área de mineração em terras indígenas
Estudos e levantamentos de dados mostram que argumentos do governo para defender o PL 191/2020 não se sustentam

Falsas controvérsias estão sendo usadas pelo governo federal para justificar ataques ao meio ambiente e aos povos indígenas. Com a suspensão das importações de potássio — insumo utilizado na produção de fertilizantes — da Rússia devido à guerra na Ucrânia, o presidente Jair Bolsonaro (PL) sugeriu que o Brasil explorasse as jazidas do mineral em terras indígenas.

“Nosso Projeto de Lei n° 191 de 2020 permite a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em terras indígenas. Uma vez aprovado, resolve-se um desses problemas”, afirmou em um post no Twitter.

O PL 191/2020 visa regulamentar trechos da Constituição Federal para permitir a “realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas e institui a indenização pela restrição do usufruto de terras indígenas”.

O governo, por meio do deputado Ricardo Barros (PP), solicitou o requerimento de urgência para avaliação do PL. A solicitação foi aprovada pela Câmara dos Deputados na quarta-feira (9), o que significa que a votação sobre a proposta de lei será realizada com maior agilidade.

“Nossa segurança alimentar e agronegócio (Economia) exigem de nós, Executivo e Legislativo, medidas que nos permitam a não dependência externa de algo que temos em abundância”, completou Bolsonaro.

A necessidade de se explorar terras indígenas não se baseia em fatos. Dados iniciais reunidos pelos pesquisadores Raoni Rajão e Bruno Manzolli, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mostram que as reservas nacionais de silvinita — nome dado ao mineral cloreto de potássio — são suficientes para garantir fornecimento ao país até o ano 2100.

Dois terços desses depósitos estão fora da Amazônia Legal, com localização nos estados de Minas Gerais, Sergipe e São Paulo. Apenas 11% das jazidas nacionais se sobrepõem a Terras Indígenas. “Ou seja, mudar a lei para explorar essas áreas é uma falsa solução que não vai resolver a crise de fertilizantes, mas irá gerar enormes problemas socioambientais”, alega Raoni Rajão em uma publicação no Twitter. O estudo completo dos pesquisadores ainda será publicado.

Um levantamento de dados sobre minas de potássio na Amazônia realizado pelo jornal Estado de São Paulo chegou à mesma conclusão de Rajão e Manzolli: não há sobreposição de depósitos a áreas indígenas na maior parte dos casos. De acordo com o levantamento, “um pequeno número de blocos de exploração teria impacto em terras demarcadas, como ocorre na região de Nova Olinda do Norte, em áreas que estão em fase de pesquisa na região das terras indígenas Gavião, Jauary e Murutinga/Tracajá”.

Outro levantamento, feito pelo Observatório da Mineração, reuniu dados de diferentes estudos de órgãos do próprio Governo Federal, como a Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos, que apontam descobertas de novas áreas na Bacia do Amazonas onde pode existir o mineral, sem citar a presença em terras indígenas.

Oposição e inconstitucionalidade

A aprovação do requerimento de urgência e as falas de Bolsonaro sobre o PL geraram reações negativas de diversos grupos. A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura divulgou uma nota afirmando que a aprovação do PL poderá causar riscos à integridade das terras indígenas e citando os argumentos do governo como equivocados.

“O garimpo em terras indígenas não resolve o problema dos fertilizantes”, diz a nota. A coalizão é composta por mais de 300 representantes de diferentes setores da economia e da sociedade, como a Associação Brasileira do Agronegócio, a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos, e a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes. São instituições ligadas ao agronegócio (setor dependente dos fertilizantes) que não apoiam o PL.

Em nota à Procuradoria Geral da República (PGR), a Câmara de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF) também se opôs ao PL, argumentando sobre seu caráter inconstitucional.

“Eventual escassez ou dependência externa para a produção de fertilizantes químicos em benefício de um setor específico da economia nacional, por mais relevante que seja, não podem servir ao propósito de fragilizar ou aniquilar o direito constitucional dos índios às terras que tradicionalmente ocupam e ao usufruto exclusivo de suas riquezas”.

O instituto Socioambiental também vê inconstitucionalidade no PL. Segundo a avaliação de Juliana Paiva Batista e Márcio Santilli, a Constituição Federal deixa explícito, no parágrafo 7º do artigo 231, que o favorecimento do Estado a atividades garimpeiras (art. 174 § 3º) e a competência da União em estabelecer as áreas destinadas ao garimpo (art. 174 § 4º) são itens que não se aplicam às terras indígenas. O PL, então, além de ferir o direito constitucional dos indígenas às suas terras, como dito pela PGR, fere outros tópicos constitucionais.

 
 

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