Ensaio conta história de líder Waorani que lutou contra exploração de petróleo na Amazônia

um onça de perfil
Foto: Muzina Shanghai
“Anciãos da Amazônia na fronteira do petróleo: a vida e a morte de Nenkihui Bay, líder tradicional Waorani” foi escrito a partir das memórias do novo líder do povo, neto de Nenkihui, depois que ele faleceu de Covid-19 em maio de 2020

Eu gostaria de dizer como você fez isso
Eu gostaria de dizer que o fez muito bem
Como você deixou a casa tão bonita?
Eu quero saber como você fez isso
Estou surpreso porque você é como um pássaro mochileiro
Um daqueles que faz o mesmo que seus ancestrais
Eles nivelam bem as folhas de hunguragua e as unem uniformemente
Continue tecendo. Continuamos tecendo como
nossos ancestrais, que estão enterrados no subsolo
Trabalhe com a força e o espírito de nossos
ancestrais e carregue o mesmo nome do guerreiro Onça

Esta é a letra de uma canção sobre a construção de uma casa tradicional do povo Waorani (também conhecido como Huaorani), que celebra e mostra esforços para preservar sua cultura. Habitantes da Amazônia equatoriana, são os indígenas que saíram do isolamento pleno mais recentemente. Apesar de grande parte de seu território ser, tecnicamente, protegido como Território Indígena, ou como parte do Parque Nacional Yasuni, missionários e empresários fizeram contato pela primeira vez na década de 1950. Essa história já tem barbas: bem onde vivem cerca de 2.000 Waorani atualmente, começou uma empreitada petrolífera apoiada pelo governo, dando início a décadas de exploração, deslocamento forçado dos povos da floresta e colonização cultural.

A expansão da fronteira petrolífera na região, juntamente com a extração ilegal de madeira, a invasão de colonos, os conflitos interétnicos — e, para piorar, a ameaça do coronavírus —, constituem perigos existenciais ao modo de vida do povo Waorani. Não só isso já configura etnocídio, como também é má notícia para o planeta e para todos os seres humanos. Os povos indígenas administram aproximadamente um quarto da superfície do globo por meio da posse direta de terras ou seu uso como fonte de subsistência, uma fortaleza contra as consequências do desenvolvimentismo desenfreado.

Expondo os males que sofrem os indígenas, o artigo “Anciãos da Amazônia na fronteira do petróleo: a vida e a morte de Nenkihui Bay, líder tradicional Waorani”, de co-autoria dos geógrafos Danilo Borja e Conny Davidsen com o líder Waorani Juan Bay, toma a vida e a morte de um grande sábio do povo como representação da história das lutas dos Waorani pela proteção de seu território.

O ensaio, publicado no Journal of Latin American Geography em 2021 e escrito a partir das memórias de Juan Bay, neto de Nenkihui Bay, conta a história do Pikenani (Líder Ancião), que morreu em maio de 2020 depois de desenvolver um quadro grave de Covid-19. Segundo Juan, a morte de um líder faz com que o povo Waorani perca conhecimentos fundamentais para a defesa e conservação de seu território, já que é por meio de histórias orais dos ancestrais que o povo preserva lendas e conhecimentos sobre a floresta tropical. Por exemplo, para não se perderem na selva, os Waorani aprendem os caminhos percorridos por seus antepassados. Os Pikenani também ensinam as novas gerações a fazer zarabatanas que chegam a 4 metros de comprimento, a cultivar plantações, pescar, caçar, construir casas, tecer, curar, subir em árvores, cantar e viver de acordo com as normas da sociedade.

Fora sua relevância para a preservação da cultura de seu povo, durante toda a vida Nenkihui lutou contra a exploração de petróleo na Amazônia equatoriana e a favor de melhores condições de vida para os Waorani.

Na juventude, co-fundou a comunidade Bataboro (grande árvore), localizada na Terra Indígena Waorani. Contudo, ela também está no chamado Bloco Petrolífero 66, operado pela Petrobell S.A, empresa com sede em Quito que atua no setor de extração de petróleo bruto.

A exploração de petróleo em Bataboro começou no início dos anos 2000 e, apesar do crescimento maciço da infraestrutura industrial nas proximidades da comunidade, seus habitantes ainda não têm acesso seguro a serviços básicos como água, educação e saúde. Desde então, quebrando a tradição de que os Pikenani decidem quem entra em seu território, hoje as petroleiras batem o martelo.

O movimento de comunidades Waorani dentro do mesmo bloco petrolífero é restrito. E embora Nenkihui tenha rejeitado a adoção de um nome ocidental para se adequar aos padrões de registro formal do estado, os membros do povo Waorani atualmente referem-se à sua comunidade utilizando a nomenclatura do bloco de perfuração e o nome da empresa — uma das muitas formas de violência simbólica estabelecidas pelos cowodes (forasteiros ou estranhos) para disciplinar e controlar as culturas indígenas.

Por isso, ações de resistência foram o fio condutor da sua existência. O Pikenani acreditava que o petróleo era o pior destino de seu povo. Em 2011, por exemplo, a nova Lei de Hidrocarbonetos do Equador isentou empresas de petróleo de responsabilidades entre as comunidades locais, como ampliação do acesso à educação, saúde e infraestrutura. Ou seja, todas as promessas do governo de que a exploração de petróleo viria acompanhada de oportunidades para os membros dessas comunidades não foram cumpridas. Na verdade, aponta o artigo, a renda da maioria dos Waorani permanece bem abaixo do salário mínimo, tornando quase impossível se deslocar até a cidade para receber tratamento médico, por exemplo — o que prejudicou imensamente Nenkihui quando foi infectado pelo coronavírus.

Paradoxalmente à sua luta, mas também representando a situação da maioria dos Waorani, a necessidade levou Nenkihui a trabalhar na indústria do petróleo por muitos anos. Com o objetivo de complementar os meios de subsistência de sua família, ocupou empregos não especializados, intermitentes e de baixa remuneração. Mesmo assim, nunca deixou de ser vocal contra a atuação da indústria na Amazônia equatoriana. Em 2015, por exemplo, foi detido e encarcerado por uma manifestação em que impossibilitou as operações da Petrobell S.A. Sua demanda mais persistente era que a empresa oferecesse empregos mais estáveis ​​e melhor remunerados.

Antes que ele pudesse ver suas reivindicações se concretizarem, a Covid-19 chegou a Bataboro.

O líder ancião ainda lembrava com muitas cores da devastação causada pela poliomielite e pela gripe em sua comunidade. Por isso, realocou seu povo em uma pequena fazenda que ele havia construído no meio da selva, cerca de oito horas de distância. A precaução, no entanto, não foi eficaz. Por volta de 10 de maio de 2020, Nenkihui começou a ter problemas respiratórios e ficou fraco e doente por cinco dias. Sua esposa Ube (boa) e seu neto Juan levaram-no a um centro de saúde em Tiwino, uma pequena unidade de serviços médicos do Bloco 66, mas por falta de equipamento tiveram que ir de ambulância para o hospital provincial em El Coca, a três horas de lá. Nenkihui morreu no caminho.

Segundo o neto e novo líder Waorani, quando chega a morte, o guerreiro se transforma em uma onça que protege a selva com seus ancestrais. No relato apresentado no artigo, Juan contou que a esposa de Nenkihui disse que quando vai colher mandioca e banana em sua horta, ouve o sussurro de uma onça. Ela acredita que é seu marido, presente para proteger sua família. Mesmo sem escutar o sussurro, é possível perceber como sua luta se sustenta na força de suas palavras ao cantar, na língua Wao Tedeo, a canção Waorani sobre a construção de suas moradias: “Continue tecendo. Continuamos tecendo como nossos ancestrais, que estão enterrados no subsolo”.

O artigo mostra que a morte de Nenkihui “exemplifica as maneiras como o capitalismo usa a violência para sustentar as agendas extrativistas, permitindo que os guardiões locais do conhecimento morram”. A exploração da Amazônia avança, sim, com escavadeiras e desmatamento, mas também com aculturação, racismo e alienação.

De acordo com os autores, exatamente no dia em que Nenkihui morreu, foram relatadas novas invasões de madeireiros ilegais no território Waorani. Desde maio de 2020, também dois novos derramamentos de petróleo poluíram a região. Novas gerações Waorani continuam lutando pela autodeterminação indígena, mas a cultura do petróleo é sobretudo, como a própria substância, pegajosa. Demora a dissolver.

Foto de destaque: Muzina Shanghai

 
 

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