O que mais precisamos dizer? indaga líder indígena Juma Xipaia

Juma Xipaia veste um cocar
Depoimento feito em sessão do New York Times Climate Hub ontem (10)

Quero dizer que só tenho essa força por conta de todos os povos. Eu sou Juma Xipaia, sou de Altamira, no estado do Pará. A cidade mais violenta do Brasil e o estado mais violento do Brasil. E o estado que mais tem desmatado as florestas, onde foi construída a hidrelétrica de Belo Monte, que é porta para a mineradora Belo Sun. É importante dizer: só existe floresta em pé porque têm povos defendendo, cuidando, zelando e protegendo com suas próprias vidas. Povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas, extrativistas, e não podemos esquecer dos povos isolados. E os animais, e os espíritos, e os protetores das florestas. É pelos povos e é por todos eles que estamos aqui.

Eu pergunto para vocês: o que mais precisamos dizer? O que vocês ainda não entenderam? Não estão matando somente os povos, as mulheres e as crianças. Estão matando a sua mãe, a Mãe Terra. É preciso que todos saibam disso. Saibam do crime que estão cometendo quando se fala em grandes projetos. Como Belo Monte e Belo Sun. Que não falam dos impactos de toneladas de comidas industrializadas enviadas às aldeias, modificando brutalmente e drasticamente o nosso modo de vida, nossa alimentação e trazendo doenças e mortes. Onde nossas crianças não podem mais tomar banho no rio, na Volta Grande do Xingu. Vocês não sabem o que significa isso para uma criança, para uma indígena, para os povos.

Foto em preto e branco de quatro indígenas jovens, vestindo suas roupas tradicionais

Indígenas brasileiras participaram de diversos painéis na COP26. (Marcos Colón/Amazônia Latitude)

Além de tudo isso, gostaria que vocês soubessem: eu também sou mãe, uma mãe que não pode ficar com seus filhos. Não posso cuidar, não posso protegê-los. Também sou estudante de medicina e não posso estudar por conta das ameaças, por conta da violência, por conta das ameaças de morte. Esses impactos, não somente na minha vida, mas na vida de muitas mulheres que perdem seus filhos todos os dias em Altamira. Não são considerados, não são vistos. São ignorados.

Então peço para vocês: se preocupem, fiscalizem, porque o país de vocês também pode estar contribuindo com o genocídio e o ecocídio. Como, por exemplo, o Canadá, porque Belo Sun é uma empresa canadense. Queremos nossa vida de volta, queremos nosso território, nossa cultura, nosso conhecimento e nossa ciência, porque, sim, nós os temos, assim como vocês. Eu não gostaria de estar aqui. Queria estar com os meus filhos, na minha aldeia, com meu povo, comendo a nossa alimentação. Mas estou aqui com as outras lideranças, como as outras mulheres e guerreiros para dizer para vocês: o que mais precisamos dizer? Não precisamos somente de fundos de dinheiro. Precisamos também de compromisso, de respeito, e que vocês entendam que financiar um fundo para as organizações indígenas não exime as suas responsabilidades com o clima, com o planeta, com a Mãe Terra.

E agora? O que vocês vão fazer? Porque nós, indígenas, já sabemos e fazemos isso há muitos séculos. E vocês?”

 
 

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