Profecias do fim do mundo e Belo Monte

trabalhadores no canteiro de obras de Belo Monte

DOI: 10.33009/amazonia2021.11.10

Em 2011, ano em que ocorreu o leilão de Belo Monte, o Movimento Xingu Vivo participou, em parceria com as organizações internacionais Amazon Watch, International Rivers e Google, da elaboração de um pequeno vídeo sobre os prováveis impactos da hidrelétrica durante e após a sua construção.

Dez anos depois, ao rever este material – à época considerado catastrofista por vários especialistas e, obviamente, pelos promotores e apoiadores da obra -, estamos vivenciando uma situação que não apenas corrobora as previsões. O que antecipávamos naquele momento infelizmente não englobou a totalidade da tragédia que vem destruindo cotidianamente a vida do povo do Médio Xingu, dialogando, de certa forma com as reflexões de Ailton Krenak sobre o Fim do Mundo.

Mas voltando ao nosso vídeo, resolvemos analisar um a um os impactos previstos neste material, na ordem em que foram apresentados, e a partir da percepção das populações atingidas:

Impacto 1– A Volta Grande vai secar: confirmado.
Atualmente, o fluxo normal da Volta Grande do Xingu, onde Belo Monte foi construída, é desviado em até 80% para as turbinas da usina. A navegabilidade do rio, principal via de escoamento e transporte da produção das comunidades, de mercadorias da cidade e das próprias populações beiradeiras, tem se tornado inviável em várias partes do chamado Trecho de Vazão Reduzida. No verão amazonense, os igarapés e lagoas viram lama, e as roças dos pequenos agricultores ao longo do rio tem secando em função do stress hídrico causado às águas subterrâneas. Inúmeros estudos científicos – vários do próprio Ibama – comprovaram a inviabilidade deste sistema de aproveitamento do rio pela hidrelétrica (o chamado Hidrograma de Consenso), mas, a despeito de todos os impactos, a presidência do órgão ambiental não apenas autorizou sua aplicação em 2021, como pode acordar uma vazão ainda menor em 2022.

Impacto 2 – Superpopulação de Altamira e impactos na região: confirmado.
Com o início das obras de Belo Monte e a promessa de geração de empregos, a migração de centenas de pessoas para a região gerou um inchaço dos centros urbanos da região que, no caso de Altamira, praticamente duplicou a população urbana do município. Além da pressão sobre os equipamentos públicos (principalmente saneamento básico, hospitais e escolas), este fenômeno levou à uma explosão da violência (em 2017, Altamira foi a cidade mais violenta do Brasil de acordo com o Mapa da Violência do IPEA). A cidade passou a ser disputada por facções do crime organizado, o tráfico de drogas tomou tanto a cidade quanto comunidades rurais, os feminicídios explodiram, o desmatamento atingiu proporções catastróficas, e se multiplicaram os conflitos agrários, a grilagem e a pistolagem.

Impacto 3 – Deslocamento de cerca de 40 mil pessoas de suas terras e casas: confirmado.
Esta foi uma das piores tragédias da região nos últimos 50 anos (e atingiu, entre outros, a coordenadora do Xingu Vivo, Antonia Melo, e a maior parte da equipe do Movimento). Centenas de famílias ribeirinhas foram arrancadas da beira do rio e de suas ilhas, jogadas nas periferias de Altamira e confinadas nos chamados Reassentamentos Urbanos Coletivos (RUCs), monoculturas de casas pré-fabricadas de péssima qualidade, distantes do rio, desprovidas de serviços públicos e de opções de geração de renda (a mesma sina foi reservada aos moradores dos baixões da cidade). A volta dos ribeirinhos para a beira do rio, uma das principais condicionantes impostas à Norte Energia para a obtenção da Licença de Operação, não saiu do papel até hoje.

Impacto 4: Belo Monte não produz energia: confirmado.
Ainda no início do licenciamento do projeto de Belo Monte, já estava posto que a hidrelétrica produziria, na média anual, apenas 39% da sua capacidade instalada por causa da sazonalidade das precipitações fluviais na região. Este prognóstico se confirmou de tal forma que, no segundo semestre de 2021, a imprensa brasileira repercutiu à exaustão o fato de que apenas uma das 18 turbinas da hidrelétrica estava em funcionamento. O trágico desta constatação, no entanto, é que políticos, empresários e parte da imprensa passaram a culpar as vítimas da usina pela crise energética do país. “Ora, onde já se viu os ribeirinhos exigirem água para sobreviver?? Onde ficamos nós, que temos que pagar uma conta de luz mais cara? Malditos povos do Xingu, malditas ONGs, maldito MPF”, segue a ladainha dessa gente.

Impacto 5 – Morte dos peixes: Confirmado.
A mais de seis anos, a Volta Grande não consegue garantir a reprodução da ictiofauna. Sob um sol escaldante, alevinos presos em poças d’água, formadas onde antes as florestas se enchiam com os igapós, sofrem uma morte lenta por cozimento, falta de oxigênio e apodrecimento da água. O Xingu impactado por Belo Monte está praticamente despovoado de peixes, e os beiradeiros e indígenas estão passando fome. Pescadores há tempos perderam seu ganha-pão, enfrentam enormes dificuldades financeiras e cada vez mais se veem obrigados a buscar outros meios de vida.

Um homem segura um peixe em uma rede, de pé em uma canoa.

Raimundo Campos da Silva, 60, casado, pai de 7 filhos, por 4 dias no rio Xingu, durante a pesca. Terceira geração de pescadores na sua família na região de Altamira. (Anderson Barbosa/Amazônia Latitude).

Impacto 6 – Aumento do desmatamento: confirmado.
Altamira tem sido, nos últimos anos, campeã de desmatamento na Amazônia, com especial impacto sobre as terras indígenas no município. De acordo com o Instituto Socioambiental, entre setembro e outubro de 2020, 5,4 mil hectares foram desmatados nas Terras Indígenas Cachoeira Seca, Apyterewa, Ituna Itatá e Trincheira Bacajá. Localizadas na área de influência da hidrelétrica de Belo Monte, as quatro TIs lideram o ranking das mais desmatadas na Amazônia, segundo dados do Prodes. Já em 2021, quase 6,5 mil hectares de florestas públicas forma derrubadas em Altamira.

Impacto 7 – Proliferação de mosquitos da malária: confirmado.
De acordo com os levantamentos do setor de saúde de Altamira, de janeiro a junho de 2020 houve um aumento de 40% nos casos de malária na Região do Xingu, em relação ao mesmo período de 2019. No ano de 2020, de acordo com a SESPA, Altamira teve 884 casos.

Impacto 8 – Aumento da emissão de gases de efeito estufa: confirmado.
De acordo com um estudo realizado por pesquisadores da USP, da Universidade de Linköping, na Suécia, da Universidade Federal do Pará e da Universidade de Washington, em Seattle, e publicado na revista Science Advances, Belo Monte gerou um aumento de até três vezes nas emissões de gases-estufa na região de Volta Grande do Xingu. De acordo com os pesquisadores, o principal agente de aquecimento global deste processo é o gás metano, proveniente da decomposição da massa orgânica de restos de floresta inundados pelo reservatório da hidrelétrica.

Impacto 9 –Energia para mineração: em parte.
A energia de Belo Monte alimenta o Sistema Interligado Nacional, mas a mineradora canadense Belo Sun, que quer se instalar na Volta Grande, argumenta que uma das vantagens da localidade é exatamente a oferta de energia. Belo Sun pretende ser a maior mina de ouro a céu aberto do Brasil, e será um desastre de proporções iguais ou maiores que Belo Monte, se consolidada.

Fiasco histórico

Dez anos depois do leilão de Belo Monte, a mais ecocida obra do último período se mostra inviável em todos os sentidos. Não só para as populações atingidas, mas também para quem pensou que ganharia dinheiro com a hidrelétrica.

Ainda em 2009, as organizações International Rivers e Amigos da Terra – Amazônia Brasileira publicaram um estudo chamado Mega-Obras, Mega-Riscos, no qual já previam grande parte dos impactos tanto sociais e ambientais para a região, mas também econômicos para os investidores. Nesse sentido, a publicação listou os Riscos de Baixos Retornos, Risco de mercado (risco de que o valor de um empreendimento diminua devido às mudanças em valores de mercado) e riscos associados a condicionantes não cumpridas e manobras ilegais. À época, o documento foi enviado ao BNDES, BASA/FNO, Banco do Brasil, CEF, BNB/FNE, Bradesco, Itaú Unibanco, HSBC, Santander, Banco Votorantim, Petros, Caixa FI Cevix, Funcef, Bolzano Participações/Previ /Iberdrola, BES Investimento, Caixa Econômica Federal, BNB e FNO.

Belo Monte foi um dos focos centrais da Operação Lava Jato. Como insistentemente denunciado por nós, a usina só se justifica pelo montante de recursos desviados para partidos e setores ligados ao então governo. Em 2016, Petros e Funcef se tornaram alvos da Operação Greenfield, deflagrada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal.

Quanto aos Fundos de Pensão, tentamos em 2010 uma conversa com a Petros sobre os riscos de Belo Monte, e não fomos recebidos. Em 2016, Belo Monte causou prejuízos de quase meio bilhão de reais ao fundo de pensão da Petrobras.

Hoje, o Movimento Xingu Vivo para Sempre segue lado a lado com as populações que tiveram suas vidas destruídas por Belo Monte. Há esperanças? Não sabemos dizer. Sabemos apenas que a nossa é uma causa pela qual vale seguir na luta.

Verena Glass

 
 

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