Em meio a nova onda da pandemia, a decisão em Santarém é entre prevenção e comida

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Erik Jennings/Amazônia Latitude
Agravamento de casos aumenta impacto na rotina de moradores, que precisam fazer escolhas cada vez mais difíceis

Em uma casa modesta no bairro da Liberdade, em Santarém, cidade no oeste do Pará, o autônomo Tarcizio Lima, 58, acorda cedo para viver o dilema do coronavírus, enfrentado por muita gente na sua cidade e no resto do mundo: prevenir-se contra a pandemia ou sair e trabalhar para ter o que comer.

Sua rotina é cada vez mais distante daquela que começava cedo, para levar Tais, 7, e Lucas, 5, à escola, e seguia com o trabalho na praça do bairro.

“É a única coisa que sei fazer: vendo qualquer coisa desde relógio de parede, perfume e até bijuteria aqui mesmo na Praça da Liberdade ou aqui por perto”, diz Tarcizio.

Há mais de 40 anos, o vendedor natural de Itapipoca (CE) escolheu Santarém para estabelecer raízes, trabalhar, formar sua família e, religiosamente, assistir aos jogos do Vasco no Bar do Jiboia aos fins de semana.

“Perdi muitos parceiros da juventude de forma rápida. É muito doloroso não abraçar a família do seu amigo e ainda não ter velório. Você ainda tem que administrar a dor que não dá tempo de sarar e arrumar formas de sustentar a família. Tem muito tempo que não saio de casa por causa das medidas sanitárias.”, afirma.

“Mas não vou arriscar e colocar quem eu amo em risco. Tento vender pelo Whatsapp e cobro também, mas é tudo muito novo. O que precisa é prorrogar esse auxílio emergencial pra todo mundo, para ficar em casa e salvar vidas”.

De acordo com o boletim divulgado pela Prefeitura de Santarém na segunda-feira (15), já foram confirmados 14.772 casos de infecção pelo novo coronavírus, e o número de óbitos já chega a 569.

A cidade, que inicialmente ofertava 44 leitos de UTI para Covid-19, chegou à capacidade máxima no dia 9 de fevereiro, enquanto 11 pessoas ainda aguardavam na fila por um leito de UTI. Segundo a Secretaria de Saúde do município, a rede hospitalar foi ampliada nos últimos dias, elevando a capacidade para 54 leitos de UTI. Desse total, 52 estão ocupados. Há 9 pessoa na fila de espera.

A edição mais recente do boletim mostra que o número de internações segue aumentando e já passa dos três dígitos. De 150 leitos clínicos, 123 já estão ocupados.

Tentando antecipar o afogamento hospitalar no Baixo Amazonas, que pode se agravar nos próximos dias, um Hospital de Campanha com capacidade de 60 leitos começou a ser montando na última quinta-feira (11) e deve ser entregue na próxima semana. A estrutura está sendo improvisada na Escola Estadual Maria Uchoa.

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Montado em escola, hospital de campanha em Santarém deve disponibilizar 60 leitos. Pedro Guerreiro/Agência Pará

Segunda onda

“Nós estamos enfrentando uma segunda onda de covid-19 na região de Santarém e oeste do Pará. O que me leva a pensar dessa maneira é justamente o crescimento que observamos de casos novos e a busca de pacientes com sintomas gripais pela unidade de referência para atendimento e diagnóstico”, diz a médica sanitarista Nástia Irina Santos. A profissional representa o Sindicato dos Médicos do Pará no Conselho Municipal de Saúde santareno.

Uma pesquisa nos boletins diários revela um crescimento do número de óbitos. Os dados consolidados entre os dias 1 e 31 de janeiro apontam 47 óbitos pela doença, contra 26 mortes registradas em dezembro de 2020 — uma alta de 80%.

O ritmo acelera: só nos primeiros 14 dias de fevereiro, 31 pessoas perderam a vida para a Covid-19.

“Vai ser muito difícil lidar com tantas vidas perdidas”, diz Nastia. Segundo a médica, Santarém, com 300 mil habitantes, possui uma taxa de mortalidade 170 pessoas por 100 mil habitantes, o que agrava o sentimento em relação às vítimas da doença, que têm aumentado.

“Não é possível não pensar em termos de vidas e de sonhos interrompidos. Vamos ter que considerar ainda os impactos da pandemia na mortalidade geral, por doença respiratória aguda grave, infantil e na expectativa de vida das pessoas” avalia a médica sanitarista.

Em nota, o Sindicato dos Médicos do Pará (Sindmepa) alerta que a pandemia já pressiona gravemente a estrutura de saúde local.

“Se antes da pandemia os santarenos já sofriam com falta de insumos básicos nas unidades de saúde, agora enfrentam também a falta de leitos e profissionais habilitados para o atendimento a pacientes com covid-19. Muitas denúncias estão chegando ao Sindmepa reportando as dificuldades encontradas”, diz um trecho.

Restrições

Fincada no coração da Amazônia, Santarém é o principal centro comercial, turístico e cultural do oeste paraense. Após a confirmação de novos casos da nova variante do coronavírus, identificada no Amazonas, o governador Helder Barbalho decretou lockdown em todo o Pará no dia 1 de fevereiro.

Também houve mudanças no bandeiramento, classificação que considera a propagação do vírus e a capacidade de atendimento, do vermelho para o preto, a mais grave. A determinação valeu para Santarém e outros 13 municípios das regiões do Baixo Amazonas e da Calha Norte.

No dia 6 de fevereiro, um novo decreto acentuou as restrições. Além de impor limites à circulação de pessoas e a suspensão de comércio e serviços não essenciais, os estabelecimentos deveriam limitar a entrada a um membro por grupo familiar. Serviços de transporte por aplicativo, por sua vez, ficaram obrigados a exigir dos passageiros a comprovação da necessidade de circulação.

Centro movimentado em Santarém, praça em frente à bicentenária catedral de Nossa Senhora da Conceição ficou vazia por causa do isolamento. Junho de 2020. Bruno Erlan/Amazônia Latitude

Em busca de oportunidades e perspectiva de vida, Zaynny Paulain se mudou de Faro, no Pará, para Manaus. Na capital do Amazonas, vislumbrou a chance de encontrar um trabalho e iniciar a faculdade. O emprego foi conquistado, mas o sonho do curso superior foi suspenso.

Em 48h, a jovem de 19 anos viu sua vida mudar. “Tive minha família e meu sonhos destruídos. Minha avó morreu na terça (19 de janeiro), enquanto amanhecia. Minha mãe morreu às 6h do mesmo dia implorando por ar. O cilindro chegou ao meio-dia, mas meu pai já estava muito debilitado e não resistiu. Não vai ser fácil, mas eu vou seguir com meus irmãos. Agora só é a gente”, disse.

Com a morte dos pais e da avó, a jovem voltou a Faro para cuidar dos irmãos.

Em nota divulgada na internet, a prefeitura negou que a causa da morte dos familiares de Zaynny e mais três pessoas tenham sido a falta do insumo. “Sobre os pacientes falecidos ressaltamos que foram tomadas todas as medidas para que fossem transferidos para outros municípios, todavia, não havia disponibilidade de leitos para recepção”, diz um trecho.

A cidade, que possui aproximadamente sete mil habitantes, trouxe na última atualização do boletim epidemiológico divulgado pela prefeitura na segunda-feira (15), o registro de 966 casos confirmados de coronavírus e 26 óbitos . Segundo a Coordenação de Vigilância em Saúde de Faro, a cidade apresenta estabilidade de casos nos últimos 14 dias. No entanto, enfrenta um momento delicado da pandemia, com média de uma nova internação por dia.

De acordo com o Plano Municipal de Vacinação, divulgado na última semana, as 247 doses disponibilizadas na primeira fase já foram aplicadas em trabalhadores da saúde e idosos a partir de 80 anos. Ao todo, foram 140 doses da vacina AstraZeneca/Oxford e 107 da CoronaVac Butantã.

Terra Santa

Se em Faro o coronavírus começa a mostrar estabilidade, a 29 km dali, em Terra Santa, a situação é outra. Cenas de pessoas amontoadas em frente ao Hospital Municipal Frei Elizeu Eismann em busca de notícias e atendimento médico começam a virar rotina. “Temos apenas 30 leitos, nenhum de UTI para uma cidade com mais de 18 mil habitantes. Na última semana estamos vendo o número de mortes e casos aumentar”, diz o vereador Lucivaldo Lobato (MDB).

Conhecida pela pecuária e pela exploração de minério, a cidade já contabiliza 1012 casos da doença e 41 óbitos, de acordo com boletim epidemiológico divulgado no último domingo (14). Números expressivos para uma cidade pequena, que enfrenta o recrudescimento da pandemia e a mesma carência de oxigênio que exauriu o sistema de saúde de Manaus e de outros municípios da região.

O governo do Pará anunciou a prorrogação do lockdown na Região Oeste do estado após novos registros de infecções pela variante amazônica do coronavírus. As restrições terminariam na última sexta-feira (12), mas agora vão até o dia 19.

A decisão, segundo o governo, foi tomada após reuniões com autoridades sanitárias do estado e avaliação do cenário epidemiológico na região, que já está com seu sistema de saúde sobrecarregado por conta da pandemia. A Secretaria de Saúde Pública do Pará (Sespa) confirmou mais 9 casos da nova mutação. Ao todo, o estado tem 11 casos confirmados da nova variante do coronavírus.

Imagem em destaque: trabalhadora da prefeitura de Santarém (PA) realiza coleta de lixo no município. Crédito: Amazônia Latitude

 

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