Como a formação de metrópoles ajuda a pensar o espaço urbano na Amazônia

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São Luís. Terminal logístico da Ponta da Madeira com a cidade ao fundo. Tiago Veloso/Amazônia Latitude

[RESUMO] A partir dos casos de três metrópoles, Manaus, Belém e São Luís, artigo discute as singularidades que compõem as regiões metropolitanas na Amazônia, com foco nas diferenças entre as três e seu impacto no espaço ao redor.

Rios, rodovias, ferrovias, unidades de conservação e reservas extrativistas. Novos municípios, grandes projetos econômicos e de infraestrutura, sistemas portuários modernos. Esses e outros elementos têm caracterizado a densidade e a diversidade do espaço amazônico nos últimos tempos, definindo aquilo que Bertha Becker denominou de malha técnico-política e malha socioambiental da Amazônia.

Sobrepostas nas últimas décadas, essas malhas têm sido responsáveis também por uma dinâmica de diferenciação intrarregional crescente, repercutindo no processo de urbanização e na configuração de espaços metropolitanos, diretamente associados aos perfis sub-regionais dos quais fazem parte.

É uma tendência que acompanha outros processos em todo Brasil, que vê emergir uma realidade urbana e metropolitana cada vez mais complexa. Embora se apresente como um fenômeno relativamente recente, reafirma problemas estruturais antigos na urbanização brasileira.

Nesse caso, pode-se afirmar que, mesmo com maior difusão na extensão territorial do país em torno de cidades médias e centros sub-regionais, a urbanização brasileira tem ainda, nas metrópoles, os principais focos de sua concretização. O tamanho e a expressão em aspectos diversos dessas aglomerações revelam uma face importante da dinâmica da urbanização brasileira, que é a concentração demográfica em pouco mais de uma dezena de epicentros nacionais e regionais.

No caso da Amazônia brasileira, é necessário destacar que parcelas significativas dessa região acompanharam duas tendências nacionais das últimas décadas: urbanização e, mais recentemente, metropolização.

A partir dos anos 1960, houve grandes incentivos para a urbanização em diversas escalas do ambiente regional na Amazônia, visto que essa ideia era a base de um projeto de integração à economia e ao território brasileiro. Ainda assim, pensados pela lógica unificadora da integração, esses processos assumiram diferentes contornos, o que resultou em uma urbanização diversificada, ainda que inserida em um mesmo contexto regional.

Os aglomerados metropolitanos têm se difundido na Amazônia brasileira, acompanhando o desenvolvimento de uma rede urbana complexa e um processo de metropolização regional que é intensificado desde a década de 1980.

Essa metropolização regional deixa evidente o peso do fenômeno urbano na nova configuração territorial da região, mas, ao contrário do que se possa imaginar, não é a homogeneização desse fenômeno o principal elemento do espaço regional, mas sim a coexistência de formas e conteúdos urbanos diversos.

Vamos falar aqui dos principais centros metropolitanos na Amazônia: Belém (PA), Manaus (AM) e São Luís (MA). Três locais que são produto, condição e meio desse movimento de diferenciação, mas que mantêm uma relação umbilical com seu entorno regional.

Uma Amazônia, muitas redes

Identificada historicamente a partir de suas características biogeográficas, a região amazônica atravessa uma significativa alteração de sua paisagem de floresta tropical, que deixa de ser a única marca referencial de seu território. Resultado da produção do espaço regional em um determinado contexto histórico, essa mudança coloca as cidades e o urbano entre as principais referências geográficas.

A imagem da floresta urbanizada é simbólica, não pelo domínio das cidades na extensão territorial, mas pelo modo de vida e a dinâmica socio-espacial que marcam o ritmo da região.

Acompanhando as tendências de urbanização do território brasileiro, a Amazônia já apresentava cerca de 72% de sua população vivendo em áreas urbanas no início do século XXI, em contraste com apenas 30% no início dos anos 1950, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Mais que uma expressão estatística dessa alteração demográfica e de povoamento regional, os dados revelam uma tendência à formação de aglomerações urbanas como as principais bases de organização do território e dos modos de vida. Por isso falamos, além da fronteira econômica que se constituiu, de uma fronteira urbana, marcada pela difusão do fenômeno urbano, tomado no sentido dos conteúdos sociais que dinamizam as novas formas espaciais na Amazônia.

Isso ocorre porque o projeto de ocupação territorial demanda a estruturação de uma nova configuração da rede urbana regional.

Vale destacar, para além do adensamento urbano, que uma nova forma espacial surge na dinâmica da urbanização regional: a emergência das aglomerações metropolitanas em consonância com o movimento mais geral de metropolização do espaço brasileiro. Tal processo pode ser bem visualizado na região amazônica com o reconhecimento de dinâmicas sub-regionais particularizadas.

Tais particularidades ajudam a compreender o processo de metropolização em curso, considerando a relação das formações metropolitanas e seu entorno sub-regional, especialmente nas suas circunscrições estaduais; o sentido da aglomeração em face do sistema de circulação regional; as conexões globais da dinâmica metropolitana; as formas de institucionalização das distintas regiões metropolitanas e as respostas oficiais do ponto de vista das políticas de planejamento e gestão a essas novas realidades espaciais.

Para compreender essas particularidades é necessário considerar, de um lado, a história de formação da Amazônia desde o seu período de colonização, que resultou em formas de apropriação diversa do território até os anos 1950. Especialmente as diferenças de formação no caso das metrópoles de Belém, Manaus e São Luís. O fato de terem histórias de constituição distintas torna-se relevante para compreender o grau de importância que cada uma dessas aglomerações apresenta para a região em períodos históricos distintos.

Por outro lado, embora a história regional pré-1960 seja uma explicação válida para identificar a gênese dessas aglomerações, não se pode esquecer de que é a chegada das estratégias de integração, povoamento e desenvolvimento, na segunda metade do século XX, que provocou, justificou e intensificou o padrão de ocupação urbana existente na atualidade, expresso inclusive no crescimento populacional das mesmas.

É possível ainda reconhecer cartograficamente essas aglomerações de perfil metropolitano como as três maiores aglomerações urbanas na Amazônia Legal.

Metropolizações em curso

Na porção ocidental da região, Manaus é a referência. A aglomeração manauara representa cerca de 60% do contingente demográfico do Estado do Amazonas, o que repercute em um enorme peso relativo para o Estado e demonstra forte tendência à concentração demográfica, econômica e infraestrutural na metrópole.

A principal explicação para esse fenômeno de concentração em Manaus é a existência de do Polo Industrial de Manaus, que atrai a maior parte dos fluxos econômicos e populacionais relativos ao mercado de trabalho. E que certamente definiu a estratégia de ocupação na capital e no seu entorno.

Conforme descreveu José de Oliveira, em Manaus: transformações e permanências, do forte à metrópole regional, porta de entrada da Amazônia:

“Se a abertura de estradas de certo modo provocou pouco impacto na cidade de Manaus, porque a construção foi um processo lento e as dificuldades de manutenção praticamente tornaram essas vias intransitáveis nos anos 1970 e 1980, a criação da Zona Franca de Manaus e a implantação do Distrito Industrial, em 1967, tiveram efetivamente impacto na paisagem urbana de Manaus”.

Um dos impactos indiretos da existência do polo industrial de Manaus é a configuração de uma lógica ainda marcada pelo ritmo da natureza, com potencialidade em aliar a existência de recursos naturais (águas, florestas, minerais etc.) com uma atividade econômica de grande impacto. Sem causar, necessariamente, o perfil de devastação característico da Amazônia centro-oriental, por exemplo.

Pesquisas recentes revelam que o Polo Industrial de Manaus (PIM) contribuiu para a redução das pressões sobre a exploração dos recursos da floresta, o que é considerado uma alteração positiva no espaço regional. Mas é preciso considerar que a causa fundamental deste fenômeno reside no fato de o polo industrial, por ser um modelo importado, não exigir matéria-prima vinculada ao meio natural no entorno.

Fonte de fluxos econômicos e migratórios para a indústria nas décadas de 1980 em diante, Manaus tornou-se válvula de escape da pressão por recursos naturais da região, colaborando, assim, para a preservação maior dessa porção do território. Não se pode assegurar, porém, que não houve repercussões significativas com a implantação do empreendimento, pois os maiores impactos do Polo Industrial foram no espaço intra-urbano de Manaus.

A pressão demográfica resultante da sua instalação, a concepção de cidade pensada como polo econômico e as estratégias governamentais de planejamento e gestão acabaram por gerar um espaço urbano com sérios problemas do ponto de vista urbanístico.

Em período recente, a propagação dos fluxos da metrópole para além do município garantiu a legitimidade de implantação de grandes obras de infraestrutura, como a ponte sobre o rio Negro, ligando Manaus aos municípios próximos por via rodoviária e, portanto, ampliando a velocidade desses fluxos.

Vale destacar a indução de assentamentos residenciais privados ou de serviços públicos, como um câmpus da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), às margens da rodovia que liga Manaus a Iranduba e Manacapuru, municípios mais próximos que compõem a região metropolitana. Isso sinaliza uma eventual mudança na tendência de uma metrópole concentrada no município.

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Ponte Rio Negro e ligação com Iranduba. Foto: Tiago Veloso/Amazônia Latitude

Na doca do Ver-O-Peso

Por outro lado, as repercussões das políticas de integração e desenvolvimento em outras porções da região foram bastante diferenciadas. Na Amazônia central, é Belém que representa o papel de metrópole.

Entretanto, diferente da atração polarizadora exercida por Manaus na Amazônia ocidental, a capital paraense, vem paulatinamente perdendo a característica de principal aglomeração urbana da Amazônia, embora isso não se reflita na perda da condição metropolitana — a cidade concentra 30% da população do estado do Pará.

Com longo histórico na participação econômica e populacional no contexto regional, Belém começa a ter sua importância alterada em face dos novos espaços de incremento econômico das décadas recentes; o que confirma uma nova dinâmica da economia política da urbanização da sub-região na qual está.

Essa perda relativa se deve, entre outros fatores, à existência de importantes cidades médias como Santarém (oeste paraense) e Marabá (sudeste paraense), e mesmo pequenas cidades que têm sua vida urbana dinamizada pela chegada de grandes projetos, como Altamira, Tucuruí, Oriximiná, entre outras. fatos estes que causam uma relativa perda de importância econômica da metrópole em relação ao contexto sub-regional.

Um segundo elemento é que Belém não sofreu o estímulo de crescimento a partir do setor industrial de montagem, como Manaus. Seu perfil é de uma cidade metropolitana, com destaque para as atividades comerciais e de serviços. As indústrias — com peso pequeno se comparado a Manaus — voltaram-se para o beneficiamento de matérias-primas da própria região e, portanto, com um impacto relativamente maior em relação à floresta.

O mercado de trabalho da Amazônia oriental tende a confirmar, desde a década de 1990, o processo de reestruturação em curso, posto que os setores mais dinâmicos têm sido a mineração, a indústria madeireira, a siderurgia e a construção civil. Assim, as cidades ligadas a essas atividades experimentaram um novo dinamismo, alterando a rede urbana regional, seja com a multiplicação de novos núcleos populacionais, planejados ou não, seja pela redefinição de antigos núcleos urbanos que se alçam à categoria de centros regionais.

O crescimento como metrópole de serviços tornou Belém uma importante base territorial de cadeias de suprimentos de consumo como as redes de supermercado associadas a lojas de departamento varejista, como o Grupo Líder e Grupo Y. Yamada, presentes em outras sub-regiões da Amazônia central.

Nesse sentido, os investimentos econômicos na área de influência da metrópole belenense, foram menos concentrados do que em outros espaços da região. A interpretação desse processo costuma ser associada ao movimento que tem marcado a dinâmica urbana brasileira.

Como já disse Milton Santos, as grandes metrópoles brasileiras apresentam taxas de crescimento econômico menores do que suas respectivas regiões e do que a nacional. O geógrafo chama este fenômeno de “involução metropolitana”. É um processo caracterizado pelo ritmo de crescimento das áreas metropolitanas menos acelerado, quando comparado a décadas anteriores, em relação às áreas que se encontram fora delas.

É um fenômeno que corre paralelo a outro, o da consolidação da metrópole informacional, posto que, cada vez mais, as unidades produtivas promovem uma seletividade espacial movida por fatores diversos — incentivos locais, mão de obra barata, infraestrutura, preço de terrenos mais acessíveis etc. — que tendem a preterir os limites convencionais das áreas metropolitanas, devido às desvantagens e restrições por elas apresentadas em relação a esses mesmos fatores.

Mesmo considerando a pertinência dessa tendência também para o caso da Amazônia central, há de se levar em conta, entretanto, que o processo que confere um maior dinamismo para o interior da fronteira econômica em detrimento da sua metrópole, não pressupõe desconsiderar a importância do espaço metropolitano para os processos dinamizadores da economia regional, mas de uma redefinição dessa mesma importância conforme já argumentou em outra oportunidade Saint-Clair Trindade Júnior.

No caso da Amazônia central, em boa parte do território paraense, trata-se de uma porção que não está sob influência unicamente da metrópole belenense, visto que, nessa sub-região destaca-se também a proliferação de pequenas cidades e o crescimento e dinamismo de cidades de porte médio, especialmente aquelas influenciadas pelas dinâmicas de grandes projetos.

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Setor portuário e área central de Belém. Cidade se caracterizou por concentrar serviços. Foto: Tiago Veloso/Amazônia Latitude

Cidade de ferro

Nossa terceira aglomeração metropolitana é São Luís, que contém um quinto da população do estado do Maranhão. A sub-região oriental na qual se insere tem como grandes características o desenvolvimento e a repercussão de grandes projetos de extração mineral, como os da antiga Companhia Vale do Rio Doce, hoje VALE, como o Alumínios do Maranhão S. A. (Alumar).

Durante a década de 1970, houve uma grande expectativa de desenvolvimento econômico do estado do Maranhão, assim como do município de São Luís, que refletiu a ideia de enriquecimento da cidade em consequência da implantação dos projetos.

Dentre as três metrópoles regionais, São Luís é a que apresenta a maior taxa de crescimento demográfico dos anos 1990 em diante, atingindo o patamar de um milhão de habitantes nesse período. Entretanto, assim como em outras áreas que também receberam grandes projetos, as mudanças negativas superaram o incremento econômico.

Neste contexto também se verifica o processo de segregação urbana, que resulta na produção de espaços periféricos no interior da metrópole — uma metropolização periférica.

Elemento definidor desse fenômeno é a relação de São Luís com a extração mineral. Mesmo estando localizada no estado do Pará, a mina de ferro de Carajás imprimiu uma dinâmica territorial importantíssima para o oeste do estado do Maranhão, por meio do escoamento do minério de ferro pela ferrovia de Carajás e pelo Porto de Itaqui, no Maranhão.

Trata-se da primeira grande ferrovia moderna na Amazônia, com 890 km de extensão, que atravessa parte do território da bacia amazônica, ligando a metrópole de São Luís, no litoral atlântico, à serra dos Carajás, no sudeste paraense.

A dinâmica dessa porção oeste do estado acompanha, em grande parte, as políticas territoriais estabelecidas para o estado do Pará e para a parte meridional da Amazônia, responsável por uma dinâmica migratória intensa e pela constituição de uma fronteira de expansão capitalista.

Junto com uma estruturação de uma sub-região conflituosa e de rápidas transformações sociais e econômicas, reconhecemos essa parte do território brasileiro como sendo integrante do complexo regional amazônico.

No caso de São Luís, há um diferencial em relação a Belém, uma vez que os elementos da cidade corporativa e associada aos grandes empreendimentos se fazem presentes no interior da aglomeração. Para além do grande empreendimento e do porto conectado à ferrovia, a cidade incorpora municípios vizinhos, que passam a formar, mesmo que às vezes de forma descontínua, uma malha urbana única.

Se Manaus especializou-se como polo industrial de montagem e Belém como setor de serviços, São Luís está associada economicamente à produção de grandes objetos logísticos como portos, terminais e ferrovias, que repercutem na região e na metrópole de forma simbiótica.

Trata-se, inegavelmente, de três realidades distintas que parecem corroborar para a compreensão das particularidades sub-regionais no espaço amazônico e que se expressam por meio de três formas metropolitanas. Cidades que são, ao mesmo tempo, produto, condição e meio da dinâmica que se verifica em escala sub-regional.

Se a homogeneidade regional amazônica já vinha sendo contestada do ponto de vista de sua biodiversidade e da sua sociodiversidade, os exemplos aqui tratados reforçam a necessidade de estender o atributo da diversidade verificada na Amazônia ao seu processo de urbanização e, dentro deste, na sua expressão metropolitana.

Essa urbanodiversidade que aí se desenrola, mais do que sugerir tipos diferenciados de formas e conteúdos urbanos, possibilita pensar em políticas urbanas também diferenciadas e mais adequadas aos níveis sub-regionais, contrapondo-se a formas de intervenção nos territórios e nas cidades que tendem a padronizar o ordenamento territorial, desconsiderando particularidades locais.

E isso está claro e pode ser constatado com a institucionalização das regiões metropolitanas na Amazônia, nem sempre condizentes com os processos socioespaciais que se expressam nesse nível de aglomeração urbana.

Referências

Tiago Veloso dos Santos é professor do Curso de Licenciatura em Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA). Siga-o no Twitter.
Imagem em destaque: terminal logístico Ponta da Madeira, em São Luís, Maranhão.

 

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