‘Irmãos Villas-Bôas tratavam povos indígenas como amigos e iguais’, diz John Hemming no Amazonia Now

amazônia indígenas villas-bôas

webinar amazonia indígenas

Terceiro dia do webinar discutiu narrativas passadas e contemporâneas sobre a floresta

”Mais do que uma simples imagem, é uma realidade urgente e necessária galgar a montanha, transpor os planaltos e expandir-nos no sentido das latitudes”. Em 1938, as palavras de Getúlio Vargas preparavam o cenário para a conquista do interior do Brasil. Cinco anos depois, os irmãos Cláudio, Orlando e Leonardo Villas-Bôas embarcariam na Expedição Roncador-Xingu.

Quem lembrou da história foi o professor John Hemming, amigo e admirador dos irmãos, que, no começo do século XX, participaram da Marcha para o Oeste e deixaram uma grande contribuição para a política indigenista do país.

O painel “Povos da Floresta” do Amazonia Now, realizado no dia 18 de novembro, contou com Hemming, autor de Ouro Vermelho: A Conquista dos Índios Brasileiros, Barbara Weinstein, da Universidade de Nova Iorque (NYU), e Leopoldo Bernucci, da Universidade da Califórnia-Davis. A conversa foi moderada por Alexandre Cardoso, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

O objetivo dos irmãos ao lidar com os povos do alto Xingu, disse Hemming, era “estar disponível 24 horas por dia para conversar com eles, rir com eles”. E as pessoas nas aldeias sabiam que os três estavam lá para ajudar, que não eram agentes do governo.

“Trataram os povos indígenas como amigos e como iguais”, afirmou.

Para o historiador, as conclusões dos sertanistas não foram diferentes do que disse Levi-Stráuss. As sociedades, afinal, não são melhores ou piores, apenas diferentes. Graças ao trabalho dos irmãos, as sociedades contemporâneas têm conhecimento e orgulho dessas comunidades, segundo o escritor.

O trabalho dos três irmãos impressionou até Jânio Quadros, que foi ao Xingu e confirmou “as sociedades maravilhosas que eram esses povos”. Para Hemming, a ideia da criação de uma reserva indígena no Xingu, a partir de esforços de diversos personagens, o médico Noel Nutels entre eles, era extraordinária.

A criação do Parque Indígena em 1961 serviria para preservar fauna e flora ainda intocadas, assim como resguardar as culturas indígenas.

“Isso é algo de que o Brasil pode ter orgulho. É um jogo em que todos ganham”, disse o escritor. “Somos apenas uma espécie nesse sistema complexo e não temos o direito de destruí-lo”.

O escritor avaliou que, desde então, os presidentes do Brasil haviam respeitado esse legado. A postura de Jair Bolsonaro, no entanto, não faz sentido, já que a terra está demarcada e homologada.

Outros efeitos

Embora tenha estudado a Amazônia do passado, Barbara Weinstein, da NYU, reconhece que muitos dos efeitos ainda permanecem. A historiadora pesquisou sobre a região no período que vai de 1850 a 1920, especialmente as questões relativas à economia da borracha.

Um dos temas diz respeito aos camponeses mestiços. A região estudada foi atravessada pela exploração da borracha, contando com a presença de imigrantes de outras partes do país, indígenas e pessoas pobres.

A professora discute a “caboclização dos indígenas”, que se misturavam com os imigrantes, assim como as possíveis controvérsias a respeito da caracterização dos seringueiros como vítimas da economia da borracha, embora reconheça a sua exploração.

Segundo Weinstein, há uma “narrativa externa e interna que coloca os produtores de borracha como sofridos”.

Ela também desenvolveu outros aspectos da economia da borracha, como os desdobramentos na marginalização da população, a ausência de um sistema único entre a elite, já que havia empreendedores em pequena escala e a relação de produtores autônomos com a defesa da floresta viva, entre outros.

Leopoldo Bernucci, por sua vez, retomou o argumento de Hemming sobre os povos indígenas ao lembrar dos horrores da colonização.

“Essa relação entre os hispânicos e portugueses e os indígenas, desde os tempos coloniais, tem sido uma tragédia. John trabalhou isso como ninguém, para mostrar a vergonha imoral que esses grupos locais passaram nas mãos dos colonizadores, não somente na Região Amazônica”, disse.

Para o especialista em literatura, é irônico discutir coisas como irracionalidade de povos indígenas 450 anos depois das invasões europeias. “Hoje nós temos que falar desses mesmos absurdos, considerando Jair Bolsonaro e toda a sua corja”.

Muito do que se sabe dos povos, o que é importante para combater noções ainda folclorizadas, se deve a Euclides da Cunha e outros escritores e veículos de imprensa, que descreviam os povos indígenas do Brasil, a região em que moravam e seus conflitos.

Denunciar o que aconteceu nessas regiões é um trabalho necessário, na opinião de Bernucci, que crê em uma atualização importante depois da época dos Villas-Bôas, quando se tornou ativista. Para o professor, a narrativa acadêmica, produzida em conjunto com grupos enviados à Amazônia, ajudam a combater as ações e vontades do governo brasileiro em 2020.

Temos sorte de ter pessoas trabalhando localmente com os indígenas. Antigamente, creio que isso não existia. Estamos progredindo. Temos que ter mais cuidado com relação a esses movimentos que temos visto recentemente, chamados bolsonarismo e trumpismo. Eles não se importam com os povos da Amazônia, nem mesmo a Amazônia, em como ambos podem nos trazer benefícios”, afirmou.

Ao fim, Hemming retomou alguns aspectos da exploração dos Villas-Bôas e de seu contato com os indígenas. “Na minha primeira expedição no Brasil, estive com esses grupos no Xingu. Isso foi muito antes das imagens de satélite. A gente não tinha como saber o tamanho da região, mas, depois de quatro meses, tínhamos uma ideia”.

O escritor lembrou dos primeiros contatos com um povo no Alto Xingu. “Duas vezes, eles se enfiaram numa região abandonada e fizeram barulho, porque o inimigo chega em silêncio. Então, se você chega fazendo barulho, era diferente. Eles tinham muitos arcos e flechas. Poderiam, de maneira muito simples, ter (nos) atingido”, contou.

Acompanhe a cobertura completa do Amazonia Now neste link.

 

Print Friendly, PDF & Email

Você pode gostar...

Assine e mantenha-se atualizado!

Não perca nossas histórias.


Translate »