A fundação de Manaus: tenentismo e a revolta de 1924

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[RESUMO] Esta é a terceira e última parte de um artigo do livro “Manaus, história e memória”, ainda inédito. O autor faz um resgate histórico sobre a fundação da capital amazonense. Seguimos com a rebelião na Manaus antiga, agora no século XX. Leia as seções anteriores aqui.

A Rebelião de 1924

Já no século XX, houve uma grande insatisfação popular diante do comportamento moral reprovável do grupo do governador César Resende do Rego Monteiro no poder, que não obedecia aos princípios federativos, reprimia opositores e praticava o mais cínico nepotismo. O mandatário e seus aliados eram acusados também de se apoderar indevidamente das rendas estaduais, apropriar-se dos salários dos funcionários, vender inescrupulosamente bens públicos e perpetrar fraudes e negociatas com o intuito de obter mais riquezas e se perpetuar no poder.

Havia algum tempo que militares ligados ao Tenentismo se articulavam para promover um levante local para depor Rego Monteiro do poder com seu grupo e assim iniciar a grande revolta nacional pelo Norte do país. Faltava apenas a oportunidade e o momento adequado para realizá-la.

A rebelião tenentista já havia eclodido em São Paulo em 5 de julho de 1924, incitando os líderes amazonenses a apressar o movimento local, deflagrado em Manaus dias depois, quando Monteiro impôs a candidatura de Aristides Rocha para sucedê-lo no mandato seguinte, que seria iniciado em 1925. O ato foi interpretado pelos rebeldes como a senha para iniciar as operações militares, pois viram na intenção do governador, um plano para manter seu grupo no poder e assim continuar o status de descalabro político-administrativo que vigorava no Estado desde sua ascensão.

Apesar de alertadas pelo governo federal, as autoridades locais nada fizeram para impedir o levante. Ciente de que a revolução deveria ser logo iniciada pela manhã do dia 23 de julho de 1924, o capitão José Carlos Dubois, comandante do 27º Batalhão de Caçadores, apoiado pelos tenentes Alfredo Augusto Ribeiro Júnior, Joaquim Magalhães Barata — do mesmo batalhão — junto com os tenentes da Marinha de Guerra José de Lemos Cunha e José Becker Azamor, depuseram o governador Turiano Meira, substituto de Rego Monteiro, que se encontrava em viagem para a Europa. Sobre o momento, a historiadora Eloína Monteiro dos Santos o descreve com as seguintes palavras:

Uma força do 27.º Batalhão de Caçadores descia a Avenida Eduardo Ribeiro, conduzindo a artilharia. Os soldados marchavam na melhor ordem, em forma, como se fossem realizar uma parada. Mas o carro de guerra que puxavam, despertou a atenção em toda a gente, que observava discretamente o desfile da tropa. Dez minutos depois, ouviram-se ruído de fuzilaria e alguns disparos de canhão rumo do Quartel da Polícia.”

 

Nesse meio-tempo, a população que residia próximo à área dos confrontos entrou em pânico, refugiando-se em suas casas ou onde pudessem se proteger dos tiros disparados a esmo pela soldadesca envolvida na contenda. A confusão era geral, pois o povo não sabia o que estava acontecendo. Após escaramuças e muita fuzilaria entre as tropas rebeldes e legalistas da Polícia Militar, que duraram cerca de uma hora, o quartel dos milicianos estaduais foi tomado pelos insurgentes, recebendo logo em seguida a sua rendição. No embate, o comandante da Polícia Militar, coronel Pedro de Souza foi ferido gravemente.

Os insurretos subiram a Avenida Sete de Setembro e tomaram de assalto o Palácio Rio Negro, ocuparam as estações telegráficas, de telefonia e se apossaram do navio vapor Bahia, de propriedade do Lloyd Brasileiro, que se encontrava atracado no cais do porto. Com os principais meios de comunicações sob seu domínio, os rebeldes passaram a difundir os ideais da “Revolução Tenentista” por meio do Jornal do Povo, momento em que tentavam explicar a sociedade amazonense às razões do movimento e o que esperavam com o sucesso dele.

Durante a invasão do palácio, o governador Turiano Meira conseguiu escapar da prisão empreendendo fuga numa lancha previamente ancorada nos fundos do Palácio Rio Negro. Vários assessores de seu governo e do de Rego Monteiro foram presos, inclusive seu irmão Mário Monteiro, acusado de ser o chefe do grupo criminoso que extorquia os funcionários públicos e promoviam os leilões escusos das casas confiscadas pela Fazenda estadual.

O tenente Ribeiro Júnior, alçado a líder dos rebeldes, ainda tentou negociar com representantes do Poder Judiciário local a legitimidade de suas medidas saneadoras, pedindo-lhes o apoio necessário para dar encaminhamento de seus propósitos. Entretanto, a sua solicitação não foi acolhida por nenhum dos representantes dessa esfera pública, tendo, ele mesmo, a responsabilidade em assumir a tarefa de governar o Estado extemporaneamente, até que o movimento em nível nacional fosse vitorioso e a situação se normalizasse.

O Estado do Amazonas foi governado pelo tenente Ribeiro Júnior de 23 de julho a 28 de agosto de 1924. Nesse período, Ribeiro Júnior instituiu o “Tributo da Redenção”, ato que consistia no confisco e venda de bens usurpados do Estado pela súcia criminosa que agia nos porões da ilegalidade, cujos valores eram revertidos para o pagamento dos salários atrasados do funcionalismo, bem como desfez os atos arbitrários do governo anterior, prendendo e expulsando do serviço público os elementos envolvidos com o corrompido governo de César do Rego Monteiro.

O governo federal enviou uma força militar, o Destacamento do Norte, sob o comando do general João de Deus Mena Barreto, para debelar a rebelião. Em 28 de agosto de 1924, a força militar desembarcou em Manaus, depôs e prendeu Ribeiro Júnior, junto com seus companheiros do movimento. Alguns já haviam sido derrotados em breve combate na cidade de Óbidos, no Pará.

O movimento rebelde do Amazonas fazia parte de outro, em nível nacional, surgindo em 1922 no seio da jovem oficialidade do Exército brasileiro, o Tenentismo, que exigia mudanças nos procedimentos da política viciada que se implantou no Brasil desde a instalação da República. Eles combatiam a corrupção desenfreada que campeava em todos os recantos do país, cobravam ética na administração pública e queriam que o país saísse do atraso econômico e social que estava mergulhado, além de defender a centralização do poder nas mãos dos militares, até que a ordem deturpada fosse restituída.

Durante a repressão, os soldados legalistas, doutrinados por oficiais do destacamento, promoveram uma verdadeira caçada aos revoltosos, invadindo casas, armados de fuzis à bandoleira e enormes facões nas mãos, e ameaçando os que davam guarida a qualquer dos fugitivos, escondidos nos porões e sótãos das casas na periferia, no centro e no mato, famintos, esgotados e doentes. Mesmo diante desses rompantes dos repressores, ninguém foi torturado, tratado com indignidade ou executado em pelotões de fuzilamento.

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O governador deposto Turiano Meira. Acervo/IGHA

A resistência à coerção resumiu-se apenas pela insensatez de alguns rebeldes mais “altruístas” em prosseguir numa luta inglória, o que cessou com o tempo. A maioria dos jovens que participaram do movimento tenentista no Amazonas era egressa das famílias de classe média de Manaus.

O tenente Ribeiro Júnior foi julgado e condenado a três anos e nove meses de prisão pelo Conselho da Justiça Militar da 8ª Região Militar em Belém pelos crimes de insubordinação e atentado à ordem constituída, entre outras acusações. Em 1926, foi transferido para a prisão militar da Ilha Grande, no Rio de Janeiro, sendo libertado em fevereiro de 1927. Em julho desse mesmo ano foi reincorporado ao 27º Batalhão de Caçadores em Manaus.

Com a Revolução de 1930, Ribeiro Júnior foi anistiado de todos os crimes e promovido a capitão com efeitos retroativos a janeiro de 1926. Em outubro de 1934, elegeu-se deputado federal pelo Amazonas, na legenda da Aliança Trabalhista Liberal. Exerceu o mandato de maio de 1935 a novembro de 1937, quando o golpe do Estado Novo dissolveu todos os órgãos legislativos do país. Retornou ao serviço ativo do Exército nesse mesmo ano de 1937, falecendo em 29 de junho de 1938, aos 49 anos de idade.

Restabelecida a ordem, o coronel Raimundo Barbosa assumiu o governo até a volta do governador deposto Turiano Meira, para que esse reassumisse suas funções, sob garantias federais. Contudo, o governador interino recusou-se a voltar ao cargo e renunciou em seguida, pois o titular, Rego Monteiro, não retornou ao Amazonas.

No lugar, o governo federal nomeou, em dezembro de 1924, o chefe de polícia de Minas Gerais, coronel Alfredo Sá como interventor estadual, que governou até dezembro de 1925.

Aguinaldo Nascimento Figueiredo é colunista da Amazônia Latitude e responsável pela seção Viagens pelo Amazonas. Em 2000 graduou-se em História pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). É professor efetivo da rede pública de ensino estadual. Escreveu três edições do livro “História Geral do Amazonas”, e é autor de mais de 500 artigos no jornal “O Estado do Amazonas” nos cadernos de “História e Geografia do Amazonas” e “Museu do Conhecimento”, trabalhos que lhe renderam os “Votos de Aplausos” no Senado Federal em 2006. Desde 2017 é membro efetivo do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), ocupando a cadeira 22, que tem como patrono o memorialista português Gabriel Soares de Souza.

 

A imagem em destaque é uma foto do cais do Porto, em Manaus. Reprodução/Manaus Sorriso.

 

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