“Escolhemos tornar universais os saberes da destruição e regionalizar os saberes da vida”: entrevista com Bruno Malheiro

amazonia latitude podcast

O Amazônia Latitude Podcast entrevista nesta edição o professor Bruno Malheiro. Mestre em planejamento do desenvolvimento pela Universidade Federal do Pará e doutor em Geografia pela Universidade Federal Fluminense, Bruno coordena na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA) o Laboratório de Estudos em Território, Interculturalidade e R-Existência na Amazônia, o LATIERRA.

“A gente escolheu tornar universais os saberes da destruição e regionalizar os saberes da vida. A gente resolveu, na nossa geopolítica do conhecimento, esconder a vida e ascender a uma condição de universalidade a morte.”, afirma o professor na entrevista.

O pesquisador fala sobre o modo de pensar colonialmente a Amazônia e discute bases conceituais, históricas e epistemológicas para a região da floresta, inclusive o modo de engendrar um pensamento descolonial.

“Há uma circularidade na Amazônia. Pensamos os indígenas como se fossem estáticos, mas são fundamentalmente de fluxo. E as migrações históricas inclusive vindo do outro, dos territórios do Centro-Oeste, do Sudeste, que empurraram populações indígenas em direção à Amazônia. E aí construíram essa ideia da floresta como espaço da liberdade. E isso foi forjando territórios, os territórios Kayapó, os territórios Timbira.”

Você pode ouvir na íntegra no tocador acima ou na sua plataforma favorita. O podcast é mais uma frente da missão da Amazônia Latitude: ampliar o debate crítico sobre a floresta e divulgar sua diversidade cultural, sua riqueza natural e seus dilemas. Está disponível no tocador acima, no Deezer, no Apple Podcasts e no Spotify. Para navegar por todos os episódios, clique aqui. Veja os destaques abaixo.

Falar de colonialidade na região amazônica é um desafio? Inclusive, pensar, mostrar essas entranhas do pensamento, dessa epistemologia, todo o pensamento colonial quando a gente se depara pensando a região amazônica.

Tem um conjunto de intelectuais que, de certa maneira, só conseguiram pensar o que pensaram por estarem vinculados à luta dos povos. E também por estarem em alguns lugares de enunciação do planeta. No caso, a América Latina.

Vinculados a outras experiências históricas, distintas de outras que formaram nosso pensamento eurocêntrico, que têm trazido algumas pistas analíticas, conceituais e epistemológicas para a gente repensar o pensamento.

Essa é a ideia fundamental, a nossa formação como professores tem marcas históricas eurocêntricas, as nossas bibliotecas são fundamentalmente coloniais, e nossas bibliotecas e referências têm lugares e se expressam através de nós.

Então a Europa, os Estados Unidos, enfim, forjaram um modo de pensar e um modo de formar as pessoas. E um conjunto de intelectuais, a partir da América Latina e vinculado à luta dos povos, tem tentado tensionar esses pensamentos coloniais, que, no caso da Amazônia, forjaram uma percepção e uma representação sobre a região.

É interessante partir da premissa de que o conhecimento não é atópico. Ele parte de um lugar, só que determinados lugares conseguiram se tornar hegemônicos, talvez pelo poder, pela forma de dominação.

É uma questão fundamental. Tem algumas críticas fundamentais do pensamento que a gente chama de descolonial, e a primeira delas é uma crítica geográfica ao pensamento. A gente tende a pensar o pensamento, vamos dizer, contextualizando ele historicamente, mas às vezes a gente esquece de contextualizá lo geograficamente.

Os lugares interferem na lógica de produção e circulação do conhecimento, existe uma relação desigual entre lugares de enunciação.

Não são só lugares geográficos. Falar a partir da Europa tem um nível de circulação do pensamento diferente de falar a partir da Amazônia. Mas falar a partir da posição social do patrão tem uma diferença de falar de uma posição social a partir do empregado.

Existem lugares que se forjaram como se fossem universais, como se fossem um pensamento atópico. Escondem o lugar de onde falam justamente para se tornarem pensamentos universais.

A gente não faz uma crítica à universalidade, o pensamento indigena amazônico, por exemplo, tem uma força universal, mas uma crítica a como se produziu historicamente a universalidade do pensamento.

Uma segunda crítica é a histórica, do progressismo entranhado no pensamento colonial. É importante a gente reposicionar o lugar de onde a gente fala a história. vários historiadores e intelectuais já tentaram mostrar que é preciso “escovar essa história a contrapelo”, como diria o Walter Benjamin. Todo documento de cultura é um documento de barbárie também.

E o terceiro ponto é a crítica à modernidade, porque se estrutura ao pensamento, à lógica de entender o mundo, como uma máquina de produção de alteridades. Não há o moderno sem a invenção do tradicional, não há o progresso sem a invenção do atraso. Não dá para a gente pensar que os processos de modernização não carregam processos de colonialidade.

Como explicar essas nuances conceituais de colonialidade? Quando se fala de colonialidade do poder, do saber, da natureza e até mesmo do ser, como é que essas colonialidades se manifestam? Ou: como ganham essa força, digamos, desse modelo, desse processo, que a gente está pensando aqui em relação à Amazônia?

A descolonialidade do saber, essa é a ideia, o elemento fundamental dela é o reposicionamento dos ângulos de problematização. Ou seja, a gente inverte o lugar de onde a gente olha o pensamento, é o que falamos antes.

Só que existem vários conceitos que ajudam a entender isso. Você colocou alguns aqui. O primeiro acho que é o que estamos refletindo sobre, essa ideia da colonialidade do saber. A Europa produziu, digamos, uma lógica de estruturar o pensamento, uma matriz de racionalidade, que se tornou um pensamento único e universal.

Como falei: as nossas bibliotecas têm uma hegemonia de determinadas línguas, uma hegemonia de lugares de enunciação, e isso forjou uma colonialidade do saber. A gente sabe a partir dos outros, não da gente mesmo, ou não daqueles que estão próximos de nós.

O marxismo fala em classes sociais, só que o Aníbal Quijano vem dizendo que as classes sociais também são produzidas por classificações sociais, a exploração do trabalho também tem uma dimensão fundamentalmente racista.

A divisão racial do trabalho deu a condicão para o controle europeu de todas as formas de trabalho, subjetividade e conhecimento na América Latina. Então, ao definir uma diversidade grande de etnias a partir da ideia de índio, você etniciza, racializa sujeitos para justificar os processos de exploração do trabalho. Da mesma forma como aconteceu com a questão dos negros africanos.

Os processos de exploração do trabalho são eivados de racismo e classificações sociais, que fazem com que a gente entenda a produção do valor na América Latina.

Não dá para pensar a produção do valor na América Latina da mesma forma que a gente pensa na Europa.

Esse pensamento bebe muito das fontes do Frantz Fanon. Ele tem uma leitura sobre o que ele chama das regiões do ser e as regiões do não ser. O pensamento consegue compreender aquilo que é o ser, mas ele joga para um abismo negligência e da invisibilidade, o não ser. Aquele sujeito que é considerado não humano é jogado para um abismo em que ele pode ser matável.

Isso é muito claro depois quando a gente for falar da Amazônia. Há uma ideia fundamental de colonialidade da natureza, porque o pensamento colonial dissocia sociedade e natureza.

Na verdade, mais do que isso, ele instrumentaliza a ideia de natureza. a natureza é sempre vista como um obstáculo a ser dominado, sempre vista como algo sujo.

Aí a gente não considera a natureza como a mãe natureza, como a pachamama, hutukara dos Yanomami, que são outras expressões de nao ver essa dissociação entre natureza e sociedade.

A gente segue dentro dessa mesma percepção de tentar entender esses meandros, porque você vê como a colonialidade de poder, saber e natureza vai se tornando parte de um modo de pensar dominante. Ao pensar a Amazônia, sempre houve estigmas, a Amazônia foi uma invenção. Pensar nesse processo de modernização dessas ruínas, nesses processos de modernização a partir dessas colonialidades constitutivas, nos leva a um outro nível de perceber a região, correto?

A primeira coisa a se perceber desse pensamento é a gente se reconhecer também como colonial, não há ruptura radical de alguém como nós ou como qualquer um formado ou forjado dentro de universidade, dentro de institutos e escolas. Dentro, enfim, de família, tudo entrecortado por essas colonialidades.

Gosto muito da Catherine Walsh quando ela diz ‘é preciso se formar diferente do que a gente foi formado’, porque a gente foi formado colonialmente, e esse pensamento, por isso exige uma implicação.

A Amazônia historicamente foi pensada ou pelo Estado ou pelos processos de expansão capitalista. Eles apagaram, das experiências sociais e dos lugares de enunciação que formaram as nossas representações da Amazônia, os outros.

E aí é reposicionar essa leitura geográfica histórica. Entender que a Amazônia entre 1621 e 1675 não era Brasil. Existiam dois estados, Maranhão e Grão-Pará, existiam claramente dois processos coloniais distintos.

Reposicionar a leitura da Amazônia é entender que isso significa pensar metodologicamente a Amazônia pelas ruínas. Não pensar mais a partir dos ciclos, de quem chega, e aí a gente pensa as drogas do sertão, os processos de modernização pombalina, belle époque da borracha, sempre o motor organizador do pensamento é a economia ou o Estado.

O que gera valor na Amazônia é fundamentalmente a expropriação dos indígenas. Guerras justas e tropas de resgate, ou seja: sacrifício indígena justificado por uma legislação colonial, que diz: ‘por eles não serem humanos, podem ser matáveis’. E as tropas: se entranhar nesses conflitos interétnicos que existiam para pegar escravos.

Quando falamos de grandes projetos, a dona Antonia Melo, do Xingu Vivo, tem definição perfeita. “Grande, para nós, não tem a ver necessariamente com isso que vocês falam que é grande. Grande, para nós, é vida. Isso é um monstro.A gente não fala grande projeto, a gente fala projeto monstruoso”.

A gente não precisa compreender tudo se a gente tem uma leitura com uma capacidade de politizar os fragmentos da história para interferir nas lutas do presente, é isso que me interessa. Alguns podem até tensionar, dizer que isso não é coerente, mas acredito que isso é um princípio metodológico do nosso tempo, das urgências do nosso tempo.

Só existem essa violência e essa devastação que marcam história e geografia da Amazônia porque existe resistência à altura. É possível repensar a Amazônia a partir daqueles que resistem. O tamanho da violência também nos diz que teve muita resistência, que também foi muito escondida, seja pela história, seja pela geografia, seja pela sociologia.

Isso lembra uma fala do Charles Trocate, quando diz que o Estado brasileiro emerge sem a Amazônia e contra ela.

A Amazônia historicamente sempre esteve fora. A ideia do fora é muito potente, o “fora” é aquele de que você não sente falta quando mata. A estruturação política, quando citei que, entre 1627 e 1675, a Amazônia não era Brasil, teve a cabanagem e um conjunto de momentos históricos que demonstram essa externalidade.

A Amazônia e sua diversidade sempre foram um problema para os ideais de nação homogêneos que se tentou construir no Brasil. Era preciso simplificar a leitura dos indígenas para caber na racionalidade que penso ou o Brasil, uma racionalidade distante da região.

Ou seja, sempre o indígena vai ser o núcleo de poder, o controle do indígena vai ser o elemento central da colonização. E o indígena sempre como esse externo, a Amazônia vai encarnando essa exterioridade.

Quando o Charles diz, e concordo com ele, tem aí um outro conceito que ajuda a entender, que é o conceito de colonialismo interno: as nações são formadas por uma simplificação que violenta a diversidade étnica.

Historicamente, infelizmente, a academia e às vezes até os próprios movimentos sociais estruturaram um pensamento sobre a Amazônia centrado nos monumentos de cultura.

Você abre um livro didático sobre a Amazônia e é impressionante: de 1616 a 1960, duas, três páginas. De 1960 em diante, parece que é um momento inaugurador da Amazônia, você tem a maioria do livro se desenrolando a partir dali, como se fos grandes projetos enfim fossem os monumentos, quase faróis para entender o que é a Amazônia. A gente precisa desmonumentalizar, porque a gente tem centros de referência analiticos da Amazônia que nao sao amazônicos.

Os territórios indígenas, quilombolas, ribeirinhos, das quebradeiras de coco, dos assentados, eles precisam ter expressão no nosso modo de pensar, precisam ter um lugar de interferência naquilo que a gente pensa. Se não, a gente só pensa em estrada, ferrovia, grande projeto, nas estruturas da hegemonia. E não pensa a vida, um elemento fundamental.

Se a gente for seguir a circularidade dos povos do Xingu, vai entender a dimensão disso. Porque a gente fica numa leitura do indígena dentro da Terra Indígena. É uma leitura importante do ponto de vista político, de reconhecer, mas as Terras Indígenas já são processos de confinamento territorial.

Há uma circularidade na Amazônia. Pensamos os indígenas como se fossem estáticos, mas são fundamentalmente de fluxo. Se a gente entende que esses povos não estão parados num território, que eles manejam a natureza há milênios, a gente tende a pensar que aquilo que gente entende hoje por Amazônia não é necessariamente um patrimônio natural, é um patrimônio biocultural desses povos.

Isso é inclusive um princípio metodológico para qualquer um que queria pensar a Amazônia sem desconsiderar sua história biocultural.

A gente escolheu tornar universais os saberes da destruição e regionalizar os saberes da vida.

É fascinante, porque a desigualdade espacial epistemológica. A somente, a gente reconhece? É suficiente só reconhecer? Fica a pergunta: como reposicionar? Como reconstruir as matrizes de racionalidade, que influenciam a nossa forma de pensar hoje? Nesse processo, você acaba descortinando o lugar que a Amazônia pode e deve assumir na geopolítica do conhecimento.

Eu sempre dou um exemplo da música, eu sou um aspirante a músico. Quando a gente pensa sobre as premiações, a música Amazônia é tida como regional. E aí tem a premiação de música universal. Quer dizer, à Amazônia historicamente foi atribuído um pensamento local e determinados lugares conseguiram se tornar lugares de pensamento universal.

Só que o pensamento universal que se forjou como universal é um pensamento da destruição, um pensamento que nos levou até o momento em que a invasão aos territórios florestais, à dinâmica da biodiversidade nos trouxe um conjunto de agentes patogênicos, inclusive aí o coronavírus como um elemento desça de onde essa racionalidade nos levou.

O que então a Amazônia nos oferece? Tem uma ideia que é premissa, como já falei anteriormente, de novo vou conversar com vários autores. A última glaciação se deu mais ou menos há 10 ou 13 mil anos, e a gente tem 19 mil anos de uma formação cultural que a arqueologia descobriu na Colômbia. Tem também em Monte Alegre, no Pará, com essa temporalidade um pouco mais de 10 mil anos.

Se a Amazônia como a gente conhece hoje, o lugar com a maior biodiversidade o planeta, se forjou há 13 mil anos atrás e existia gente aqui há 19 mil anos, a gente há de convir que a coevolução, a coexistência a co-permanência, a conformação — eu gosto dessa palavra, é “com formação”, o com “M”. Quer dizer: e uma formação com os povos.

Não dá para pensar que essa maior floresta do mundo, a maior biodiversidade do mundo, não tenha sua marca e sua conformação a partir dos saberes dos povos.

Então, esses saberes que foram jogados para serem saberes locais e regionais, desqualificados da sua potência, que produziram a Amazônia como a gente entende hoje, são um legado.

A gente colocou para escanteio os saberes que são fundamentais para a vida. A gente escolheu tornar universais os saberes da destruição e regionalizar os saberes da vida. Resolveu, na nossa geopolítica do conhecimento, esconder a vida e ascender a uma condição de universalidade a morte.

É preciso reconhecer: existe uma relação desigual entre saberes que a Amazônia esteve historicamente fora. os pensares amazônicos não compuseram as coletâneas que influenciaram um pensamento universal.

Nesse caso, poderíamos falar de um outro repertório de diálogos, e não de interpretação?

Um autor de que gosto muito, Arturo Escobar, diz o seguinte: a cultura pode ser lida pelas interpretações, mas pela diferença radical também. Historicamente, a antropologia forjou uma ciência da interpretação das culturas, né, como se um determinado sujeito fosse capaz de interpretar o que o outro é. Como se o outro não fosse capaz por si próprio de construir seus próprios problemas, de interrogar suas próprias interrogações de construir suas próprias soluções.

É reconhecer a autonomia. Autonomia territorial, de pensar, de agir. Autonomia como elemento central para pensar então não em estados mononacionais, mas estados plurinacionais, em processos de autodemarcação, como acontecem no Xingu, entre os Kayapó, como nos processos.

Como uma tradução que os povos indígenas dão a um sistema jurídico que é o nosso, pautado completamente na propriedade privada. Está na hora da gente reconhece isso do ponto de vista jurídico.

Daí a gente precisa sair dessa racionalidade de pensar a Amazônia, a natureza ou a floresta como um supermercado, em que a gente vai e extrai alguma coisa. Os povos nos ensinam uma racionalidade de incremento, porque nenhum povo indígena passa pela floresta sem diversificá-la.

Sabe-se hoje que a floresta não é uma dádiva, é uma construção, interação humana. Dentro dessa interação, é fato que há uma dialética na floresta. Portanto, há uma modernidade na floresta e a pergunta seria: professor, a que nós aludimos quando dizemos que existe uma modernidade na floresta?

Se a gente começar a inverter os nossos pensamentos, a ideia de modernidade carrega uma origem. Parece que ela tem um problema. Qualquer ideia de modernidade pressupõe algo que não é moderno, esse é um primeiro “problema de nascença” da ideia conceitual. Se fôssemos inverter e assumir essa ideia, poderíamos dizer ‘a floresta é fruto de uma forma de manejo extremamente complexa, que integrou múltiplos povos em movimento, múltiplas interações entre povos, formas de cultivo, formas de extração, de manejo, enfim, que produziram o que hoje a gente entende pela floresta’.

Então, se há algo moderno, é o saber dos povos. Porque o saber dos povos nos legou o que há de mais fundamental para o equilíbrio metabólico do planeta.

Não que eu goste do conceito, mas a modernidade são os saberes dos povos, que nos deram de brinde a floresta. A barbaridade do capitalismo é o ‘outro’ desses saberes da vida. Se há algo para se chamar de moderno, são os povos.

Parece que descascamos uma cebola quando pensamos no colonialismo, com todas as suas mazelas e camadas. Que tipo de diálogo seria eficaz para contribuir e salvaguardar o que ainda vemos não somente na floresta, mas os povos, tradições e cosmologias?

Quando venho para Marabá (PA), em 2009… no segundo dia eu já tava dando um curso de formação para o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), minha chegada foi extremamente implicada pelos movimentos, eles me colocaram suas pautas.

Nunca fui um pensador da mineração e acabei construindo uma tese sobre mineração. Não estou dizendo para pensar por demanda, mas ficar atento para as relações com as pessoas, o pensamento vai surgir dessa interação.

Por isso digo que pensamento descolonial é um pensamento implicado. Aqui a gente está num podcast. Se a gente estivesse numa palestra, nunca esse pensamento passaria ao largo de uma interrupção, entendeu? As pessoas interrompem porque é isso, o pensamento precisa interromper.

Porque mesmo querendo ser descolonial, a gente é colonial. A gente está na Amazônia, num lugar privilegiado do pensar. A gente está no centro do mundo, basta a gente se conectar com aqueles que fazem desse lugar o centro do mundo.

As pesquisas precisam incorporar não só os saberes dos povos, mas a capacidade crítica que os povos têm, porque estão lutando aqui há mais de 500 anos. Então, a capacidade analítica que eles têm é muito diferente da sua que por exemplo vai ter uma interação com um povo em dois, três meses, um ano…

Por isso há dois elementos fundamentais que me fizeram pesquisador. Primeiro, ter relação concreta com aqueles que lutam. Agradeço ao MST, ao Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), à Via Campesina, aos movimentos indígenas e a todos que forjaram o que penso hoje. Nunca se pensa sozinho, sempre se pensa em vários — muito do que falei aqui nao fui eu quem disse, só carrego esse legado de algum encontro que tive com esses sujeitos em luta.

Em segundo, não é só encontrar esses sujeitos e suas lutas, mas também entender suas lógicas de compreensão do mundo. Retirar-se da posição central de quem produz pensamento e se colocar muito mais como um ouvinte. Eu imagino que seja uma das vias para esse giro epistemológico, esse giro descolonial, esse giro territorial do pensamento.

 

Print Friendly, PDF & Email

Você pode gostar...

Translate »