Manifesto da ecopoesia latino-americana

Ecopoesia / Ecopoetry

[RESUMO] Em face da destruição ambiental, os autores clamam por uma nova forma de prática da poesia, a ecopoesia, ligada ao ambiente em que vivemos na sua totalidade: o planeta Terra. O manifesto também sinaliza rejeição às atuais práticas econômicas, de subsistência e de pensamento para posicionar sua mensagem.

A poesia como forma de expressão, especialmente a poesia latino-americana, seja brasileira ou hispânica, neste milênio, não pode mais ignorar o apelo global e o engajamento existencial em favor da natureza orgânica e de seus seres.

Como forma de comunicação e de compromisso com mentes e corações, conclamamos todos os poetas e poetisas a criarem e a propagarem uma poesia que nos leve a pensar ecopoeticamente. Eco, como nos lembra o grego, é nossa casa — o planeta Terra compartilhado com milhares de outras espécies.

Portanto, Ecopoesia, ou seja, Eco + poiesis, significa fazer poético. Não uma poesia que enfatiza a crítica, mas um ato criativo, como arte.

O manifesto é também uma antipoesia, reclamada por Nicanor Parra e por milhares de poetas desconhecidos que viveram, vivem e viverão além da nossa presente existência. A linguagem poética se renova a cada crise. A crise ambiental será irreversível se permanecermos no silêncio. Ela já é global. Esse é um entre muitos apelos poéticos em nome de uma justiça climática.

Também é o retrato de uma geração que deseja passar para as próximas um planeta ainda verde, que muitos de nós conhecemos. E que não queremos que seja destruído por revoluções pós-industriais e promessas artificiais de um bem-estar excludente proposto pelas poderosas forças econômicas. Essa mesma força aqueceu o planeta e provocou uma crise ecológica de graves proporções, além de atos — coletivos ou não — marcados pela guerra.

Estamos vivendo um momento de SOLASTALGIA (raiz, algia -dor) que não sabemos quando terminará, e nem que mundo deixaremos para os mais jovens. Fomos traídos! Acreditamos na tecnologia e ela acelerou a destruição do mundo natural do qual não soubemos ser guardiões, como pressupõem os grandes sistemas religiosos.

Esse é um manifesto que expressa uma raiva contida, uma ansiedade esquizofrênica, mas é também um sopro de esperança.

Poetas e poetisas! Saiam de seus ostracismos megalômanos, ensimesmados… não há tempo para salvação pessoal. Salvemos o planeta, nossa casa e a de milhares de seres inocentes. Lembremos o tempo da Natureza sagrada, que é capaz, como afirmou W. B. Yeats, de fazer dançar a grotesca forma humana sob as nuvens das florestas, o cervo, o corvo, as raposas, os lobos e os ursos, quase todas as coisas sob o sol e a lua. Nela reside a paz da natureza intocada, evocada pelo espírito da natureza e pela energia primordial que os hindus chamam de prakriti, que precedeu a existência de tudo e, depois, da existência manifesta.

Plantemos árvores nos quintais e nas ruas, nas calçadas, distantes das redes elétricas. Replantemos as flores, as fruteiras, a Amazônia e a Mata Atlântica dos Trópicos. Só assim poderemos, em paz, plantar árvores de palavras. Convidemos os pássaros, as abelhas e os saguis. Deixemos os rios correrem limpos, tiremos só o suficiente para o dia vivido com a generosidade da Natureza!

Lembremos dos românticos, que prenunciaram as crônicas de nossa morte anunciada! Os modernistas anarquistas entenderam seus recados. Escuta, Brasil! Mário de Andrade ouviu a água do Tietê, ‘pesada e oleosa’, gemendo. Não nos deixemos mais enganar pela sedução das reuniões a portas fechadas. Deflagradas nos escritórios dos poderosos egoístas e dos criminosos do colarinho branco, que planejam, em seus círculos de mesquinharias, soluções genocidas para o planeta e seus habitantes.

Choremos pelas florestas desmatadas e pelos animais extintos, devorados, torturados a cada dia. Somos culpados de nossa própria desgraça. Sucumbimos sob nossa própria destruição. Não sejamos cínicos. Que não caia mais sobre nós a destruição de nossa própria casa. Deixemos para as outras gerações o bem da terra do qual desfrutamos perversamente. Exploramos a natureza e os animais! Basta! Basta!

Que tenhamos uma poesia ecológica como uma condição existencial adepta da revolução para um mundo mais altruísta, compassivo, de pessoas que resistam ao mal. Uma poesia que desconstrua os modos egoístas de fazê-la — puramente antropocêntrica e que ignora a posição arrogante contra os não humanos —, e que lembre, com humildade, do privilégio de povoar a terra.

A filosofia falhou ao ignorar o clamor da terra sofrida e dos seus pequeninos. A religião tradicional falhou, e a poesia também falhou. Ainda é tempo de repararmos nossos erros!

A linguagem poética, quem sabe, poderá fazer justiça ao planeta atormentado e entender que somos um entre milhares e que a terra não é nossa propriedade privada, mas uma dádiva concedida a milhares de seres que, como nós têm o direito a vida.

Este artigo foi originalmente escrito em inglês e você pode conferí-lo clicando aqui..

 

Zelia M. Bora é doutora em Português pela Universidade Brown. Colabora com o Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e milita pela proteção animal, sendo a fundadora da Comissão de Bem-Estar Animal da UFPB. Fundou e preside a ASLE Brasil.

 

Antonio Lisboa Carvalho de Miranda é membro da Associação Nacional de Escritores, professor e ex-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade de Brasília (UnB). Foi o primeiro diretor da Biblioteca Nacional de Brasília. É escritor premiado, publicou e viveu em diversos países da América Latina.

 

Imagem em destaque é uma ilustração da Amazônia Latitude.

 

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