“Ou você morre pelo coronavírus ou por falta de alimento”

Municípios do Alto Solimões não possuem estrutura mínima para lidar com a pandemia, alerta vereador de Tabatinga-AM
*A entrevista também está disponível para download no SoundCloud.

Hilal Rajar Hayssan, vereador do município de Tabatinga, no Amazonas, teme a chegada do vírus à cidade por dois motivos – a falta de estrutura hospitalar para tratar os casos e a dificuldade dos habitantes em conseguir alimentos durante a quarentena. Segundo o vereador, nascido e criado na região do Alto Solimões, Tabatinga não pode atender sequer um caso de contaminação por coronavírus. “A gente pode divulgar formas de se prevenir, de se evitar, de impedir o vírus de circular, mas se tiver casos aqui de coronavírus, de pessoas infectadas, isso aqui vai ser um… Não tenho nem palavras pra isso. Isso aqui vai ser um filme de terror”, avalia.

Na visão de Hilal, se o vírus se espalhar pelo Alto Solimões, a situação pode ser catastrófica. Cidades próximas, como Benjamin Constant, Atalaia do Norte, entre outras, possuem ainda menos condições de atender os pacientes. A distância dos municípios da capital, Manaus, é um dos fatores cruciais, sobretudo com a ausência de Unidades Básicas de Atendimento (UBS), ainda não instaladas nessas cidades. “Tabatinga vem atendendo pessoas de todo o Alto Solimões. Se Tabatinga realmente fechar a fronteira, fechar a entrada de pessoas de outros municípios, vai ser muito triste a realidade, de Benjamin e Atalaia, porque lá não tem UPA, lá não tem uma estrutura, têm hospitais civis, mas não tem a estrutura de um hospital de guarnição”.

Além disso, a região configura uma tríplice fronteira. Cidades brasileiras, peruanas e colombianas nutrem uma relação de troca de mercadorias, sendo a maioria bens alimentícios e combustível, que estão completamente paralisados por conta do fechamento das fronteiras. Isso faz com que a população local, que conta majoritariamente com a renda informal de “bicos” para sobreviver, fique sem alternativas de obtenção de alimentos durante o período de quarentena. “E aí, como é que fica? Sendo o que está sendo divulgado hoje na cidade é ‘preparem suas casas, comprem seus produtos e se tranquem por quinze dias’. Como é que essas pessoas vão comprar se não têm dinheiro?”, questiona Hilal.

Confira a entrevista na íntegra abaixo.

Moro nessa aqui desde um ano de idade. Cheguei em 1984 e tenho um carinho enorme por essa cidade, que deu uma oportunidade imensa para minha família. Meu pai é libanês, e constituiu família aqui. Tenho três irmãos, trabalhamos na área do comércio e, atualmente, ocupo uma das cadeiras da câmara municipal também.

Na verdade, vejo que essa situação têm alarmado o mundo inteiro, né? Aqui para a gente, vejo de um modo preocupante, porque nós convivemos em uma tríplice fronteira. Geralmente, a fronteira é aberta. A gente faz fronteira terrestre com a Colômbia e, através do rio, com o Peru, que seria Santa Rosa, e Letícia, Colômbia. Eu vejo que nós…. A saúde, na verdade, do município, ela consegue atender aí malmente (sic) a questão básica, a saúde básica. Nós temos enfrentado grandes dificuldades mesmo antes do coronavírus – até na atenção básica, volto a repetir. Eu vejo que Tabatinga, ela, eu espero que não aconteça, que essa doença venha a atingir essa região, aqui nós não temos leitos no hospital, na verdade, não temos nem hospital civil nesta cidade. Nós aqui somos atendidos pelo hospital de guarnição, que é o hospital militar, e a UPA maternidade, que ela faz mais que a sua função, vem fazendo a função de um hospital. Só que os leitos aqui…. Se tivermos três pessoas com contato, que estejam contagiadas com o vírus, a gente não tem nem onde ubicar essas pessoas. Aí a questão vai ficando mais alarmante ainda, porque aqui é uma UTI aérea para os nove municípios do estado do Alto Solimões, então se alguma pessoa precisar ser transportada, transladada para Manaus, a gente vai ter dificuldades também.

Se tivermos três pessoas com contato, que estejam contagiadas com o vírus, a gente não tem nem onde ubicar essas pessoas.

Então eu espero que Letícia já venha tomando as providências. Fecharam a fronteira, Peru também, do lado de Santa Rosa, e Iquitos tem fechado a fronteira também. O lado brasileiro já foi decretado (fechamento) pelo presidente também, não só na Colômbia, mas também com o Uruguai, Paraguai. Tivemos aí algumas modificações na fronteira com o Uruguai, mas foi decretado o fechamento. Então, eu vejo que a população tem que colaborar; o vírus só vai se espalhar se a população ficar em trânsito, ou seja, o pedido é que as pessoas fiquem em casa, mas aí nós vamos ter um outro problema – essas pessoas, em casa, não têm alimentos.

O poder público quer que as pessoas fiquem em casa e como é que as pessoas… ou você morre pelo coronavírus ou por falta de alimento, morre de fome. Aqui essa região, costuma-se dizer que é o começo e o fim do Brasil. Aqui, a logística para chegar os produtos (alimentícios) é através de embarcações, é fluvial. E demora, né? Tem embarcação que leva de cinco até quinze dias, se for as famosas balsas. Os barcos de linha, que levam passageiros também, de cinco a sete dias estão aqui. Mas aí a gente tem visto também que elas vão parar de fazer essa trajetória. Então a gente vê que o alimento se…. O pico desse vírus vai começar agora de abril para maio e fica essa preocupação, né? As pessoas vão se trancar, ficar em suas casas, limitar sua saída e como é que fica a questão da alimentação?

Então eu vejo que na Colômbia, em Letícia, aqui do lado da fronteira, a partir da meia-noite de quarta-feira, vão dar o toque de fechamento dentro de suas casas e vai até catorze dias em abril. E nós dependemos muito de Letícia, na questão de verduras, de abastecer as motocicletas, o maior meio de transporte aqui são as motos. A gente tem se preocupado muito, porque uma cidade depende da outra. No lado de Santa Rosa a fronteira está fechada e nós dependemos da batata, da cebola… do básico para cozinhar. Já os colombianos dependem daqui do óleo, do açúcar, do frango. Eles também compram. Uma cidade abastece a outra. Então eu fico preocupado. O lado colombiano agora fechou total; nem alimento vai poder entrar. Aqui,a gente depende deles em muitos produtos. Infelizmente, as medidas estão sendo tomadas, na medida do possível.

No mérito da segurança, Tabatinga vem sofrendo e não é por causa do coronavírus. Aqui é uma área de fronteira e hoje, nesse exato momento, estamos sendo protegidos por um efetivo de no máximo oito policiais. Uma região que, segundo o IBGE, possui de 64 a 65 mil habitantes. Na minha santa ignorância, essa contagem não bate, tem muita gente em trânsito aqui; a população chega aos 80, 90 mil habitantes. Aqui tem pessoa ilegal, tem gente em trânsito, tem pessoas que não são contabilizadas pelo IBGE…. E a gente vê que a contagem que tem (de tantos habitantes para cada policial) passa bem longe. Aqui cada policial atende 8,000 mil habitantes. Então, essa questão vem dificultando o progresso da cidade. Aqui tem um grande potencial na área do turismo; precisaria de muito pouco para fazer acontecer, mas infelizmente quando a cidade não é segura para a população, imagina para o turista.

Aqui é uma área de fronteira e hoje, nesse exato momento, estamos sendo protegidos por um efetivo de no máximo oito policiais. Uma região que, segundo o IBGE, possui de 64 a 65 mil habitantes. Na minha santa ignorância essa contagem não bate, tem muita gente em trânsito, aqui a população chega aos 80, 90 mil habitantes.

Aqui nós temos a cidade vizinha, Letícia, que recebe, creio, de sete a oito voos diários. Aí você vê uma demanda turística que a cidade não está suportando, é muito turista. Com o coronavírus, deu uma pausa, mas eu tô falando do normal. Você vê Letícia vendendo pacotes e pacotes turísticos, que até inclui a venda da área brasileira. Tem passeio pra Benjamin [Constant], para algumas comunidades daqui e essa renda não permanece no nosso município. Agora, por que acontece isso? Em Letícia, é pregado que a nossa cidade não é segura, que aqui matam, assaltam, roubam… infelizmente, temos visto que isso acontece, não adianta a gente esconder. Mas precisamos do apoio da União e do governo estadual, para enxergar essa fronteira como uma fronteira.

Os maiores problemas [de tráfico] que acontecem hoje no Rio de Janeiro e São Paulo partem dessa fronteira. As pessoas veem que Tabatinga é a terra do tráfico. Ela, infelizmente, é vítima, por ser o corredor. Aqui ninguém produz droga, não tem plantação, mas infelizmente somos vizinhos de países que são alguns dos maiores produtores. A gente viaja para Manaus, para São Paulo, fala que é de Tabatinga – e eu falo com muito orgulho que sou daqui – mas aí falam: “E aí, é verdade que droga lá é ao vivo?” Tabatinga não é isso. Volto a repetir, por se tratar de um corredor, a gente acabou se tornando vítima e isso dificulta que as pessoas vejam da forma que deveriam ver. Aqui é uma cidade de pessoas guerreiras, pessoas que querem crescer. O meu pai, por exemplo, veio para Tabatinga com uma mão na frente e outra atrás. Não ficou rico, mas hoje em dia tem seu restaurante, onde trabalha. A cidade deu uma oportunidade pra ele.

Então eu deixo um pedido: que os governos federal e estadual possam melhorar a segurança dessa cidade. Tendo mais segurança, incentivando a máquina privada, melhorando os hotéis, restaurantes, bares e lanchonetes, porque os atrativos turísticos Deus nos deu, os mesmos pacotes que Letícia vende, Tabatinga pode vender. Os turistas vêm pelas mesmas coisas. O rio é o mesmo, a mata é a mesma, a cultura indígena é a mesma, ou seja, os atrativos também são os mesmos.

Aí vem aquela preocupação que nós só temos uma linha aérea, Azul, que quase sempre explora os preços das passagens, dificultando muito. Mas os turistas, de alguma forma, já estão adentrando por Letícia. Com isso, a gente poderia melhorar a segurança, a infraestrutura da cidade, capacitar os mototaxistas e taxistas, que fazem o primeiro contato com os turistas, que ajudaria o governo do Estado, porque, quanto mais as empresas daqui venderem, mais arrecadação, como o ISS (Imposto Sobre Serviço) e outros. Poderia criar uma taxa para cada turista que adentra o município. Hoje, não se pode cobrar, porque a cidade não está preparada para receber esses visitantes.

Além disso, Tabatinga tem outro atrativo que não aproveita: é o único município do Amazonas que foi contemplado com a lei dos freeshops em cidades gêmeas. Um dos maiores atrativos em Letícia, tanto para quem vem de fora, quanto para a população daqui, são as lojas de Letícia. As pessoas vêm de Manaus, São Paulo e Rio, com a aquele pensamento: “vou levar um perfume, um uísque, que é barato, um celular….”. Tabatinga poderia ter a mesma atratividade, pois a lei 12.723, que é a lei dos freeshops, que autoriza a instalação dessas lojas que têm nos aeroportos. Das 34 ou 35 cidades gêmeas que foram contempladas no Brasil, a única no Amazonas é Tabatinga. As mesmas lojas que você vê, hoje, em Letícia, vendendo produtos a quase zero imposto, poderiam ter em Tabatinga, na forma de freeshops.

No Sul, essas trinta e poucas cidades que eu mencionei já têm freeshop funcionando. Em Tabatinga não funciona por quê? Primeiro, porque essa lei exige que um empresário que queira abrir um freeshop tenha no mínimo 2 milhões de reais de patrimônio líquido. Aqui você vê que são poucos os que têm isso. Essa lei deveria ser modificada, baixando o percentual de 2 milhões para 500 mil, ou até menos. A Receita Federal tem que criar um software, um programa que vai ligar esses freeshops com ela. Eu, de vez em quando, tenho ido à Receita Federal e a gente ainda não tem notícia do andamento por parte da Receita.

Por que seria interessante dar celeridade nisso? Porque a renda do município hoje é pouca. Aqui, temos todas as Forças Armadas – Marinha, Exército, Aeronáutica – e Polícia Militar, Civil e Federal, além de órgãos federais e estaduais. A maior parte desses servidores públicos deixa de 30% a 40% de sua renda em Letícia. Se esses freeshops começam a ser instalados na cidade, essa renda vai ficar aqui. Hoje o militar recebe e vai lá comprar perfume, celular, moto, porque é mais barato. Então a gente deixa de pegar a renda do servidor público e fazer ela circular em Tabatinga. Acaba circulando em Letícia, porque não tem como você competir. Aqui em Tabatinga você não vê uma perfumaria, uma loja que venda uísque, vinho… Por quê? Porque você não consegue competir com os preços de lá.

Lá no Sul, você encontra empresários que têm o poder aquisitivo bem mais alto que os de Tabatinga. Se essa lei não for melhorada, o que vai acontecer? Alguns empresários colombianos, que têm dupla nacionalidade, estão começando a comprar, com o documento brasileiro, alguns locais aqui em Tabatinga. E o que vai acontecer? Quando esse sistema for criado, quando o freeshop começar a funcionar mesmo, eles vão migrar. As lojas que estão em Letícia hoje vão começar a ocupar e aí o empresário de Tabatinga vai ficar vendo o navio passar. Eu já fico feliz, porque, por mais que essas lojas vão ser abertas por peruanos, colombianos, se o brasileiro não acordar, a geração de emprego vai existir; hoje em dia, o comércio em Letícia gera emprego nessas lojas. Tem várias lojas de tênis, esportivo, cosméticos, essas coisas, e o emprego vem funcionando. Aqui em Tabatinga, o órgão que mais dá emprego é a prefeitura, mas ela não consegue empregar todas as pessoas.

Aí a gente vê, voltando à nossa conversa da entrevista, que essas pessoas estão desempregadas. As pessoas que hoje vão enfrentar o coronavírus na cidade, na fronteira, 80… 95% não têm emprego. Vivem de bico, de fazer o trabalho diário e receber. Vou roçar um quintal, vou lavar uma roupa, vou pintar uma casa… e essas pessoas agora estão paradas. E aí, como é que fica? Sendo o que está sendo divulgado hoje na cidade é “preparem suas casas, comprem seus produtos e se tranquem por quinze dias”. Como é que essas pessoas vão comprar se não têm dinheiro? Como é que vão às lojas fazer os seus mercados? Então, é preocupante demais, chega a doer na alma. Querendo ou não, a gente tem condições de fazer isso. E as outras pessoas?

As pessoas que hoje vão enfrentar o coronavírus na cidade, na fronteira, 80… 95% não têm emprego. Vivem de bico, de fazer o trabalho diário e receber. […] E aí, como é que fica? Sendo o que está sendo divulgado hoje na cidade é ‘preparem suas casas, comprem seus produtos e se tranquem por quinze dias’. Como é que essas pessoas vão comprar se não têm dinheiro?

Então, vejo que essa fronteira tem que ser vista de uma forma diferente. Não só agora, na realidade do coronavírus. Tenho certeza de que essa crise vai passar, mas que nós possamos realmente fazer com que essa porta de entrada de coisas ruins possa ser revista de uma forma diferente. Que a gente possa transformar Tabatinga, que dizem ser a terra do tráfico, em uma cidade turística. Vai melhorar a vida de muita cidade por aí, que hoje em dia são dominadas pelo tráfico.Tabatinga sempre foi vista como a “Princesinha do Alto Solimões”. Mas por que ela é tratada assim? Aqui, na verdade, é um município polo. Tabatinga, querendo ou não, é o município de Tabatinga é o que tem mais estrutura, tem órgãos de uma cidade grande. Se Tabatinga conseguir, realmente, ter o carinho de uma “Princesinha do Alto Solimões”, automaticamente, os municípios que a rodeiam vão sofrer a melhoria junto. Aqui, os municípios mais próximos, Benjamin [Constant] e Atalaia [do Norte], fazem fronteira com o Peru. Então, os mesmos problemas que Tabatinga vive, Atalaia e Benjamin sofrem respingo. Benjamin faz fronteira com a cidade peruana de Islândia, que também poderia ser incorporada. Hoje em dia, tem atrativos turísticos que são explorados pelos colombianos e a renda acaba indo… Em Benjamin, temos o Hotel Cabana, que é bem frequentado. Em Letícia, um dos pacotes que são vendidos com direito a almoço, o almoço geralmente é lá. Temos algumas comunidades que são visitadas, tanto do lado de Benjamin, como do lado de Atalaia, Tabatinga. São as próprias lanchas colombianas levam esses turistas. Aqui em Tabatinga, o que hoje se explora de turismo é a Rua Marechal Mallet, que é a rua dos sapatos. Os turistas chegam com a intenção de comprar sapatos. Além disso, tem duas casas de proprietários colombianos-brasileiros (eles têm dupla nacionalidade), que é a Casa do Chocolate e a Mansão do Chocolate. Hoje em Tabatinga, o que se ouve falar de turismo é isso: Casa do Chocolate, Mansão do Chocolate e a Rua dos Sapatos.

Então, a gente poderia criar, com a ajuda dos governos federal e estadual, pacotes para conhecer esses municípios, porque cada um tem a sua riqueza. Tem município que produz cupuaçu, que produz maracujá, açaí, Amaturá, que é da castanha… A gente poderia fazer esses pacotes: como é que se prepara o creme de cupuaçu,ou a castanha; visita a área indígena; como é a Moça Nova [ritual de transição de mulheres tikuna para a fase adulta]; como é aquela cultura indígena… O Alto Solimões é enriquecido de culturas.

A UPA de Tabatinga e o hospital de guarnição, mesmo antes desse triste coronavírus, já atendem pessoas de todo o Alto Solimões. Quando alguém adoece em São Paulo de Olivença, Amaturá, qualquer município do Alto Solimões, e a coisa está um pouco mais grave, é pra Tabatinga que vem. Se Tabatinga realmente fechar a fronteira, fechar a entrada de pessoas de outros municípios, vai ser muito triste a realidade, de Benjamin e Atalaia, porque lá não tem UPA, não tem uma estrutura, têm hospitais civis, mas não tem a estrutura de um hospital de guarnição…. Tem o básico do básico, funciona como se fossem praticamente UBSs (Unidades Básicas de Saúde). Ou seja, é atenção básica mesmo. Se Tabatinga vier a sofrer com a epidemia, que eu espero que não aconteça, que não atinja aqui, não só ela vai sofrer, como os municípios do entorno vão sofrer ainda mais. É difícil até de falar como que eles vão atender se tiver um caso lá – não tem estrutura pra atender um caso sequer. Isso eu confirmo, não tem. A gente pode divulgar formas de se prevenir, de se evitar, de impedir o vírus de circular, mas se tiver casos aqui de coronavírus, de pessoas infectadas, isso aqui vai ser um… Não tenho nem palavras. Isso aqui vai ser um filme de terror.

É difícil até de falar como que eles vão atender se tiver um caso lá – não tem estrutura pra atender um caso sequer. […] A gente pode divulgar formas de se prevenir, de se evitar, de impedir o vírus de circular, mas se tiver casos aqui de coronavírus, de pessoas infectadas, isso aqui vai ser um… Não tenho nem palavras pra isso. Isso aqui vai ser um filme de terror.

Eu espero que a gente consiga combater, que não chegue nessa fronteira. Letícia, querendo ou não, tem uma estrutura de UTI que pode remover o pessoal para Bogotá; aqui nós não temos. Até os voos da Azul começaram a ser alternados, cancelados, tanto que tem pessoas que estão esperando três dias pra viajar e ainda não conseguiram. Então, o que e vejo [como necessário], de imediato, é o apoio de UTIs móveis, para transportar [as pessoas] (Deus queira que não, que ninguém seja infectado), mas creio que sejam o passo principal. É estar aí com essas UTIs, as pessoas que venham de Atalaia, Benjamin… Todas as pessoas que vierem infectadas, terão que ser transportadas para Manaus nessas UTIs móveis, porque aqui nós não temos capacidade de atender.

Vejo que a população, principalmente do interior do Amazonas, que se emprega em órgão público é a mínima. Por mais que se pregue que o amazonense é preguiçoso, vejo, na verdade, que, principalmente o amazonense do interior, é muito criativo. Aqui, das necessidades, surgem ideias. A gente vê, principalmente por morar em área de fronteira, que o amazonense criou meios de aprender até a culinária vizinha. Têm pessoas que, na frente de suas casas mesmo, colocam duas mesinhas e aprendem a fazer o ceviche, aprendem a fazer o chicharrón. Outros aprendem a fazer o artesanato para vender para quem vem de fora, aprendem uma forma de gerar dinheiro, não para enriquecer, mas para pelo menos manter a alimentação dentro de sua casa.

Volto a repetir, aqui as pessoas vivem em uma área geográfica muito abençoada em questão de você se viver, mas, por outro lado, você sobrevive com a questão de conseguir alimento. Falam que o Rio Solimões, o rio do Amazonas é muito rico em pescado. Mas quem lucra hoje com o pescado brasileiro são os nossos irmãos colombianos. No Alto Solimões, existem pontos de balsas frigoríficas, onde pescador vende seus peixes. Esses frigoríficos compram tudo, trazem para a fronteira, esse peixe é embarcado para Bogotá e de Bogotá vai para todas as cidades da Colômbia. O pescador vende a um valor bem simbólico e a renda bruta desse peixe não permanece no município, ela acaba indo para a Colômbia. Então, o amazonense do interior não tem como conseguir realizar o que dizem “pescando vai gerar uma renda aqui na cidade”. Quando eu falo que aqui tem mais de 90 mil habitantes, vejo que, para esse povo ainda estar vivo, esses irmãos, amigos e amigas, é porque a preguiça.… Creio que ela não exista por aqui. De alguma forma que a gente menos espera, elas estão dando um jeito de colocar o pão dentro de sua casa. É um povo criativo, guerreiro, um povo que está sofrendo muito com o coronavírus e essa situação. Meu pai é libanês e aqui a gente sente aquele calor amazonense, de tocar as mãos, de abraçar…. Isso aí a gente vê que lá fora é muito escasso. Esse coronavírus, que tem feito muita gente não poder abraçar, não poder dar um beijo…vem afetando até o emocional das pessoas. As pessoas ficam até sem ação. Tu olha de longe e as pessoas ficam assim, cumprimentando da forma que dizem, que orientam que é pra cumprimentar. Isso vem afetando muito o povo amazonense, principalmente o do interior do estado, que está acostumado a ter aquele calor humano perto um do outro.

 

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