A presença dos judeus na Amazônia

Os autores, utilizando-se de pequenos rastros, pistas e relatos deixados e revelados nas mais diversas circunstâncias, explicam silêncios que ainda permanecem na história deste povo na Amazônia.

O livro do professor Samuel Benchimol, “Eretz Amazônia: Os Judeus na Amazônia”, é o resultado de uma pesquisa de vários anos, no âmbito de uma investigação e inquietação muito mais abrangente que é a de compor o quadro constitutivo da formação social da Amazônia. Nesse trabalho, Benchimol se propôs, através de uma investigação nas fontes primárias e de um diálogo com a historiografia já produzida, mostrar a importância e o significado da presença dos imigrantes sefarditas marroquinos e de outros grupos judeus no processo histórico regional.

Partindo de uma contextualização histórica, da inquisição espanhola à expulsão dos judeus, passando pelo exílio marroquino e concentrando-se no êxodo judeu marroquino, o professor revela conjunturas e contextos que explicam a nova diáspora depois da permanência de três séculos dos judeus em Marrocos. Importante no trabalho é o diálogo com outros autores investigadores do mesmo objeto, não significando, no entanto, que concorde com todas as análises já feitas.

Reconhecendo a importância da navegação exterior e interior como incentivadora da imigração estrangeira na Amazônia, o autor ressalta a organização das companhias de navegação mapeando seus percursos e atuações nos confins da região.

A partir dessas análises, o livro vai se concentrar propriamente no objeto de pesquisa; “Eretz Amazônia: Os Judeus na Amazônia”. O autor procura compor o quadro histórico dos judeus na Amazônia começando com a chegada dos primeiros imigrantes no Pará, suas origens ou correntes e posterior destino para os interiores amazônicos. Destaca que “foram quatro as gerações de judeus marroquinos e seus descendentes durante mais de 180 anos de vivência na Amazônia”.

Os judeus se tornaram importantes comerciantes na Amazônia após as ondas de imigração. Foto: Blog do Francisco Gomes.

A geração pioneira de judeus enfrentou as dificuldades e aceitou o desafio do desconhecido, deslocou-se para o interior na condição de empregados, balconistas e vendedores ambulantes, contratados por firmas judias de Belém e Manaus. O destino de outros como aviados de judeus ricos das duas capitais da Amazônia foram também os interiores, onde os aviadores já tinham certa tradição: Breves, Gurupá, Cametá, Baião, Macapá, Afuá, Alenquer, Óbidos, Santarém, Parintins, Itacoatiara, etc. Nesta parte do livro, Benchimol relaciona os primeiros judeus e firmas marroquinas que se estabeleceram na Amazônia.

O trabalho tem sua sequência como uma importante contribuição para a pesquisa regional quando o autor apresenta um levantamento das famílias judias que se fixaram nos lugares mais diferentes da região amazônica. Considera o professor que “omissões haverá, mas este trabalho serve como contribuição e tentativa de consolidar a literatura esparsa e, através de depoimentos, estórias de vida, reconstruir um passado não foi apenas querido, sofrido e vivido pelos judeus, mas que foi também compartilhado por todos os amazônidas de todos os grupos sociais e culturais, aqui nascidos, ou que adotaram a Amazônia como seu novo lar, seu chão, sua querência”.

Apresentando a segunda geração de judeus, aqueles que se estabeleceram em Manaus como grandes comerciantes e aviadores no período áureo da borracha, enfatiza a participação desses judeus na vida dinâmica das cidades. Uma parte significativa da obra de Benchimol detêm-se na memória empresarial judaica de Belém e Manaus, uma contribuição inquestionável para a história da empresa familiar na Amazônia.

Não pretendendo cobrir todas as partes que compõem o conteúdo de “Eretz Amazônia”, que são em número de 13. O trabalho do professor Samuel Benchimol é fonte obrigatória nas futuras pesquisas nas linhas de investigação: história das empresas comerciais na Amazônia, demografia judaica, história da família na Amazônia, a mulher judia na formação da sociabilidade amazônica, parentesco e estrutura social na Amazônia, pois as pistas e levantamentos apresentados são instigantes para qualquer pesquisador.

Um comentário final. A história da produção das populações no mundo movimentado pelo desenvolvimento do capitalismo, mal começou. Benchimol, com seu novo estudo, demonstra como as migrações internacionais compõem a história da Amazônia no mundo conhecido e desbravado pela riqueza.

Judeus marroquinos em busca de uma terra sem males

Família de judeus marroquinos que se mudou para a cidade de Santarém-PA no início do século XX. Foto: A Crítica.

O trabalho acadêmico de Amélia Bemerguy representa uma importante contribuição para a reconstrução da história dos judeus na Amazônia. Através da história oral, a autora revela uma percepção viva e muito presente do passado desse povo no vale Amazônico; são experiências vividas, amizades duradouras, projetos vitoriosos e muitas vidas perdidas, que a história das migrações internacionais no plano regional, tem silenciado.

A dissertação está dividida em três capítulos. No primeiro capítulo, Amélia analisa as mudanças políticas corridas no Brasil a partir de 1810 como possível incentivador da imigração dos judeus para a Amazônia, antes mesmo do desenvolvimento da economia do látex. Situa também historicamente os problemas enfrentados pelos judeus em quase todas as cidades do Marrocos, isto é, seus confinamentos em “quarterões judaicos” e as suas dificuldades para vencer as doenças. Contudo, diz a autora, “apesar de todas as necessidades e privações sofridas no Marrocos, os judeus conseguiram se organizar e manter associações judaicas nas cidades em que se fixavam com o objetivo de dirigir administrativamente a comunidade, sob o ponto de vista religioso, no social e nos socorros espirituais. Era através dessas instituições que os judeus mais carentes conseguiam obter ajuda para a manutenção da família. Esta forma de convivência se estendeu à comunidade judaica que se constitui no Pará.

Recorrendo a uma farta documentação como os álbuns do Pará, almanaques, regimentos e leis estaduais e municipais, Amélia analisa a imagem criada pela propaganda e divulgação da região como forma de atrair imigrantes para as cidades mais distantes do interior amazônico.

Entrevistando descendentes de marroquinos em Belém e no interior do Pará, Bemerguy reconstituiu parte da história das famílias judaicas na Amazônia, a condição de chegada, mercado de trabalho, espaços de moradias, condição social, etc.

Seu Simão Benjor, ele mandava o dinheiro pros marroquinos virem e depois eles aqui pagavam, então esse dinheiro ele reutilizava e ele era como um pai pros judeus do baixo Amazonas. [….] Ele era um homem muito rico, tinha uma loja, um armazém muito grande em Belém, tinha um navio…. E ele mandava localizar os judeus marroquinos por esse interior e mandava o navio deixar as mercadorias. Aqueles que procediam bem ele se transformava em um pai – entrevista realizada na cidade de Óbidos com um descendente de família marroquina que relata as experiências vivenciadas por seu pai nos primeiros anos do século XX.

O pai do entrevistado veio do Marrocos para trabalhar com parentes no interior do Amazonas, resolvendo depois tentar o próprio negócio. Por sugestão do tio, dirigiu-se para a cidade de Óbidos, onde trabalhou como ambulante, teco-teco, morando debaixo da trapiche municipal, juntamente com outro judeu proveniente do Marrocos Francês, que conheceu no navio durante a viagem para o Brasil.

Usando a entrevista como fonte de investigação, juntamente com as fontes chamadas tradicionais da história, a autora vai compondo a recriação do espaço judaico marroquino no tempo Amazônico.

…. E meu pai então teve sorte, ganhou alguma coisa trabalhando como ambulante, ganhou muito conceito na cidade, então conseguiu alugar uma casa que era de um oficial do Exército. Então lá ele se instalou pela primeira vez e chamou (o judeu com quem dividia o trapiche e também trabalhava como mascate), para ser sócio dele, e trabalharam muitos anos….

Espaço importante na transmissão da memória, a casa, o viver, o cotidiano da família judia ganha no trabalho de Amélia registros significativos. A mulher marroquina para a pesquisadora tem um papel fundamental na preservação e transmissão da memória de judeus na Amazônia, “reforçaram as tradições, os hábitos alimentares e os costumes religiosos perpetuados por seus pais”. A autora mediante a abordagem recupera essa epopeia mesmo enfrentando a pouca historiografia existente no Brasil sobre os judeus, a escassez de fontes ou as dificuldades de acesso. A historiadora paraense elabora um trabalho que só vem somar nossa produção ligada à história social na Amazônia; contribuindo na passagem de memória para a história de judeus marroquinos que buscaram uma terra sem males e deixando pistas para futuros trabalhos em novas áreas de investigação. Há uma tese contida de como a tradição adquire forma em situação de dificuldade; por outro lado a variedade de estratégias de sobrevivência dos judeus na Amazônia indica um pouco de experiência secular da formação desse povo fora de seus territórios tradicionais. As territorialidades da diáspora árabe na Amazônia, através do trabalho de Amélia Bensaguy é outra dimensão que merece estudo específico, já iniciados com o estudo dos judeus marroquinos na região.

 

Edinea Mascarenhas Dias é mestra em História Social pela PUC de São Paulo e fundadora do Departamento de História da Universidade Federal do Amazonas.
Imagem em destaque – representação da imigração judaica no território amazônico. Arte: Sandro Schutt.
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