Amazônia Ilhada

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Cidades amazônicas acessíveis apenas por via aérea ou aquática sofrem com isolamento em meio à pandemia

Tendo o turismo como uma de suas principais fontes de renda, a cidade de Iquitos, no Peru, foi submetida a uma quarentena imposta pelo governo peruano no último domingo (15). Com 86 casos de contaminação pelo novo Corona Vírus (COVID-19) confirmados, o Peru decretou estado de emergência e convocou o exército para ajudar no controle populacional para evitar que a doença se espalhe. No momento, estima-se que há 3.770 turistas no país, muitos dos quais são brasileiros.

Dentre as medidas adotadas pelo governo peruano para combater o vírus estão a quarentena dos cidadãos (que além de suas casas podem frequentar apenas o mercado), a suspensão de aulas e eventos que requerem aglomeração de pessoas, e o fechamento do comércio e das fronteiras do país – esta última medida impede que os turistas deixem o país por ar ou por água, o que complica o caso dos estrangeiros em Iquitos, que têm previsão de saída do país apenas dentro de 15 dias.

Segundo reportagem da Folha de São Paulo, estrangeiros e locais têm que obedecer à quarentena obrigatória, museus e restaurantes já não podem funcionar e viagens internacionais foram suspensas às 23:59 h de segunda-feira (16). Um dos efeitos da suspensão de serviços como hospedagem e alimentação é a inflação. Relatos de brasileiros ilhados no Peru afirmam que as diárias nos hotéis que ainda oferecem quartos tiveram uma escalada de preço surpreendente. Além disso, as passagens de avião oferecidas nas últimas horas antes do começo da quarentena atingiram valores absurdos – algumas empresas ofereceram passagens de volta ao Brasil por R$9 mil.

Marcos Colón, professor na Florida State University, EUA, e editor-chefe da Amazônia Latitude, foi a Iquitos na última quinta (12), para fazer imagens sobre a cidade, conhecida como “Capital da Amazônia” e um dos principais pontos turísticos do Peru. Segundo ele, o governo peruano decidiu impedir o acesso ao país não para impedir a saída de seus habitantes, mas para “impedir que pessoas da Europa e de outras partes do mundo com potencial de contágio entrassem”.

Colón relata que tentou antecipar sua volta, que estava marcada para dia 20, por conta da situação, mas que todos os voos foram cancelados e o porto da cidade fechado. Como última alternativa, encontrou uma embarcação que seguiria para a cidade de Caballococcha, e de lá para Tabatinga, no estado brasileiro do Amazonas.

“Infelizmente o voo foi cancelado e fomos inviabilizados de ir por via marítima porque os barcos estavam superlotados (como vocês podem ver na foto que acabamos de enviar). Demoraríamos dois dias em um barco que estava superlotado ao extremo, sem nenhum controle de quem estava no barco e de quem não estava, não havia nenhum controle, nenhum monitoramento em um barco que tinha aproximadamente mil pessoas”, relatou o professor.

Além disso, Colón também falou que há falta na disponibilidade de vagas de hotel, restaurantes e até escassez de produtos básicos nos mercados. Para o professor, isso coloca a Amazônia em “estado de sítio”, o que compromete os modos de vida na região, sobretudo nas regiões com menor acesso à informação.

“Acho que temos não somente uma tríplice fronteira de problemas, mas temos também uma agonizante situação interna que reverbera preocupações externas. Se olhamos pro interior do país, ainda existem esse nichos em que as pessoas não sabem o que está acontecendo de fato no restante do mundo”, finaliza Marcos Colón, que continua em Iquitos sem previsão de retorno.

Cidades Inacessíveis

Apesar de o caso peruano ser particularmente rigoroso, contando com soldados de plantão em frente aos portões dos hotéis para impedir civis de saírem, algumas cidades amazônicas compartilham das características geográfica de Iquitos. As cidades de Tabatinga e Benjamin Constant, ambas localizadas na região do Alto Solimões, no estado do Amazonas, também são acessíveis apenas por barco ou avião. Segundo nosso colaborador, Pedro Rapozo, doutor em Sociologia, professor da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e integrante do NESAM, é também morador de Tabatinga e falou um pouco sobre a situação na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru. Segundo Rapozo, o governo do Amazonas estabeleceu um protocolo de segurança para a saúde pública com a intenção de frear a disseminação do Corona Vírus no estado, que registrou seu primeiro caso na sexta-feira (13), paralisando todas as instituições públicas exceto as áreas da saúde e segurança por um prazo de 120 dias.

“Aqui em Tabatinga existe essa particularidade de que somos uma fronteira gêmea, aberta e de livre circulação com Letícia, que é capital de um departamento colombiano, que é o estado do Amazonas, que recebe muitos turistas. Então, potencialmente, os riscos para quem vive tanto em Letícia quanto em Tabatinga é mais significativo. Até porque esse estabelecimento de um controle de circulação, tanto pelo estado brasileiro quanto pelo estado colombiano, me parece que começou a vigorar recentemente. Há alguns dias eles estabeleceram que os estrangeiros que chegassem em Bogotá ficassem em quarentena. E ontem me parece que de fato eles começaram isso em outras regiões, que não são só das fronteiras com a Colômbia e com a Venezuela fechadas, começaram a fechar seu território de circulação por água, ar e terra”, afirma o sociólogo.

O resultado da medida e o medo espalhado pela divulgação do avanço do vírus no mundo levaram os moradores de Tabatinga a replicar um comportamento observado em outras cidades do país. Pedro Rapozo relata que produtos como álcool gel e vitaminas C sumiram das prateleiras de supermercados e farmácias. Para ele, o efeito mais danoso no momento é o bloqueio das fronteiras, o que impede o trabalho de parte da população.

“O que mais podemos chamar a atenção aqui é o fato de que essa mobilidade vai afetar muitos brasileiros e muitos colombianos que trabalham lá, do lado de Letícia, e também aqui do lado brasileiro. A gente tem muitos brasileiros que moram em Letícia e que trabalham aqui. Acho que uma compreensão desses processos é que vai permitir que a gente meça, nos próximos dias, os impactos dessa situação nessa região de fronteira”, conclui o pesquisador.

A situação se repete no município de Benjamin Constant. Lá, além de órgãos públicos e comércio paralisados, o bloqueio das fronteiras dificulta a chegada de alimentos para o abastecimento dos mercados, segundo informações de Taciana Carvalho, bióloga e professora da Universidade Federal do Amazonas que trabalha na cidade.

Para ela, Benjamin Constant se encontra despreparada para o COVID-19 e a confirmação de casos em Iquitos muda a situação, pois as duas cidades se encontram na mesma rota de comércio no Rio Amazonas.

“Com a confirmação do caso em Iquitos as coisas começam a tomar outra dimensão. Sabemos que o fluxo constante tanto de pessoas e alimentos é grande de Iquitos, Santa Rosa até Tabatinga e Benjamin Constant. Hoje, as fronteiras foram fechadas. Existem policiais fazendo a segurança no rio. Estive na feira e os feirantes falaram que não pode mais chegar frutas e verduras e outros mantimento. Via Letícia também está fechada porém pode se passar a pé”, relatou Taciana.

 

Acampamento Terra livre cancelado

Em decorrência do Corona Vírus, a Articulação dos Povos Indígenas Brasileiros (Apib), divulgou uma nota informando o cancelamento do Acampamento Terra Livre, que estava marcado para o final de abril.

O Acampamento Terra Livre é a maior assembleia de povos indígenas no Brasil. Sediado anualmente em Brasília, conta com manifestações nas sedes dos Três Poderes, apresentação de pautas políticas voltadas para os direitos indígenas, apresentações culturais, lançamento de relatórios e mais. A edição de 2019 reuniu 4 mil pessoas de 150 etnias de todo o Brasil que acamparam em frente ao Teatro Nacional durante os três dias de evento.

Segundo o comunicado, a decisão foi tomada para evitar a contaminação dos povos indígenas participantes com o COVID-19, que poderia resultar em uma tragédia de grandes proporções.

“Ressaltamos também, que pandemia como estas, alertam para o quanto gravoso pode significar uma política de contato com os povos isolados e de recente contato, em razão dos riscos não só de etnocídio, mas também a um doloso genocídio”, afirma a Apib em nota.

A entidade também aproveitou a ocasião para alertar que um dos efeitos da degradação do meio ambiente global é a maior incidência de epidemias como o Corona Vírus, frisando indiretamente a necessidade de preservação dos povos indígenas.

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