“Hoje o Ministério do Meio Ambiente é só uma casca”

Brazilian former Environment Minister (2003-2008) Marina Silva speaks during a press conference at the Institute of Advanced Studies (IEA) of the University of Sao Paulo, in Sao Paulo, Brazil, on May 8, 2019. - Brazilian former environment ministers met for the first time Wednesday in Sao Paulo. (Photo by NELSON ALMEIDA / AFP)
Em vídeo, Marina Silva fala sobre a política ambiental no governo Bolsonaro

Nos anos 2000, Marina Silva se consolidou como uma das principais lideranças ambientais brasileiras. Sua carreira política entrou em evidência quando assumiu o Ministério do Meio Ambiente na gestão do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, período no qual foi implementado o modelo de monitoramento do desmatamento na Amazônia por satélite usado pelo INPE.

Quando foi indicada ao Ministério, o Brasil passava por um de seus períodos mais graves em termos de conservação ambiental, sobretudo na região amazônica. Em 2003, ano em que assumiu o cargo, foram registrados cerca de 25 mil Km² de desmatamento na Amazônia, seguido por um aumento de 10% em 2004. Nesse mesmo ano, foi implementado o programa de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (DETER), e a diferença já pode ser notada em 2005. A série histórica de perda de cobertura vegetal na Amazônia, baseada nos dados coletados pelos sistemas DETER e PRODES, mostra que o modelo de monitoramento e fiscalização, adotados na gestão de Marina Silva, renderam ótimos resultados – os dados do PRODES mostram que o ano de 2005 registrou 19 mil Km² de desmatamento, uma redução de 29% em comparação ao ano anterior.

Além de sua atuação como ministra e senadora, Marina também disputou eleições para a Presidência da República nos últimos três pleitos – em 2014, se mostrou uma força política considerável, angariando 24% do total de votos no primeiro turno, que foram acirradamente disputados pelos candidatos levados ao segundo turno.

Marina foi convidada para participar do Colóquio Internacional “Amazônia: Violência Crescente e Tendências Preocupantes”, porém não pôde comparecer por motivos pessoais. No entanto, a ex-ministra não deixou de contribuir com o debate, enviando um vídeo no qual aborda o tema para o qual foi convidada a falar em Oxford. No vídeo abaixo, Marina fala sobre a atual situação da governança ambiental brasileira, do esvaziamento de funções do Ministério do Meio Ambiente e da arbitrariedade política do governo Bolsonaro. Confira.

“Cumprimento todos os organizadores e participantes do Colóquio Internacional sobre o aumento da violência e tendências preocupantes na Amazônia. Também parabenizo a iniciativa e a oportunidade desse debate nesse momento tão difícil que estamos atravessando aqui no Brasil – um verdadeiro desmonte da governança ambiental brasileira.

Eu costumo situar os problemas contra a proteção da Amazônia em dois níveis. Um tem a ver com um problema de natureza global, porque se não reduzirmos as emissões de CO2 e a Terra continuar aquecendo e ultrapassar os 2ºC [de aumento na temperatura], a Amazônia será destruída, mesmo que aqui a gente chegue no desmatamento zero. Por isso é fundamental a redução global de emissões de CO2. O outro tem a ver com o desmonte da governança ambiental brasileira feita pelo governo do presidente Jair Bolsonaro. Em menos de um ano ele já tinha desmontado a política ambiental. Agora, após um ano, declaradamente, nós estamos vivendo uma situação de terra arrasada. O governo Jair Bolsonaro é declaradamente negacionista, antiambientalista, e não foi por acaso que ele trabalhou, na prática e no discurso, para desmontar o legado de mais de 30 anos de governança socioambiental brasileira.

Eu costumo dizer que diferentes governos (uns mais, outros menos) deram uma contribuição para melhorar a governança ambiental brasileira. Mas o governo do presidente Bolsonaro tem trabalhado no enfraquecimento do Ministério [do Meio Ambiente], cortando seu orçamento (hoje o Ministério é só uma casca), enfraquecendo o Ibama, que é o órgão de fiscalização, o Instituto Chico Mendes de Conservação Ambiental, que é o órgão de gestão das unidades de conservação, e o INPE, que é a instituição que faz o monitoramento por satélite. Além disso, o governo está com uma Medida Provisória no Congresso para regularizar áreas que foram ocupadas ilegalmente – ocupação de terra pública. E, como se não bastasse, o projeto que ele [Bolsonaro] tem para a Amazônia vai deixar um rastro de destruição, porque é baseado em mineração em terra indígena, abertura de novas áreas para atividades de pecuária, agricultura ou exploração florestal. Também está com projetos de grandes hidrelétricas e de grandes rodovias.

Nós vivemos em uma situação onde as pessoas têm uma dificuldade e compreender o que aconteceu porque, durante dez anos, nós conseguimos reduzir o desmatamento em mais de 80%. Isso aconteceu graças ao Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia, que foi implementado e elaborado durante a minha gestão, e que conseguiu reduzir o desmatamento nessa proporção mesmo com a economia crescendo numa média de 3% a 4% ao ano. Agora nós temos uma situação de descontrole quando temos um baixíssimo crescimento. As pessoas não entendem o que está acontecendo aqui no Brasil. Mas eu tenho algumas questões que eu gostaria de pontuar.

Existem muitas razões pelas quais nós temos hoje um governo com um perfil contrário aos direitos humanos (como é o governo do presidente Bolsonaro), ao meio ambiente, a uma série de avanços civilizatórios desse início de século. Eu diria que em função da grande decepção que o povo brasileiro viveu com os governos de esquerda e de centro-direita, que trocaram o projeto de país pelo projeto de poder, se envolvendo com graves casos de corrupção. Um exemplo disso foi o caso de Belo Monte, uma hidrelétrica com alto impacto ambiental, com prejuízo para as populações indígenas, para o meio ambiente, para as populações locais, inclusive com o aumento da violência. Um empreendimento que não tinha viabilidade econômica, social, ambiental e cultural e que mesmo assim foi feito. E foi feito em função de que recursos desse projeto foram (sic) desviados para planos e projetos para se perpetuar no poder com eleições milionárias, com desvios de recursos que foram feitos durante essa obra.

Existem muitas formas de a gente contribuir para fortalecer a resistência contrária à destruição da Amazônia. Uma delas é apoiando a comunidade científica. Existe um painel científico que é coordenado pelo professor Carlos Nobre. O painel científico para a Amazônia, que além de diagnósticos, apresentará sugestões de políticas públicas para reverter a destruição da Amazônia. Uma outra forma é apoiando projetos de desenvolvimento sustentável, principalmente para as populações locais. E, ainda, ajudando com que as informações de qualidade possam circular, porque hoje existe uma máquina de fake news que desorganiza e desestrutura qualquer resistência. E ainda termos o apoio às populações locais. Essas populações estão cada vez mais vulneráveis, sendo acossadas pela violência, e é fundamental que tenha uma atuação favorável à proteção de seus direitos.

Eu desejo a vocês um bom debate e que a gente possa, a partir de encontros como esse, fortalecer a solidariedade e o apoio à resistência contra a destruição da Amazônia.”

 

Marina Silva é uma historiadora, professora, psicopedagoga, ambientalista e política brasileira filiada à Rede Sustentabilidade.
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