“Repensar o não consumo ao invés do consumo em si é a única ferramenta possível”

Fotojornalista e ativista, a carioca Bárbara Veiga velejou o mundo registrando e denunciando crimes ambientais

Bárbara Veiga é fotógrafa, documentarista e performer com experiência de atuação em mais de 80 países. Uniu o jornalismo à fotografia (e posteriormente agregou o audiovisual) em parceria com organizações mundiais como Greenpeace, Sea Shepherd, Amazon Watch e Avaaz. 

Em sua trajetória pessoal, atuou junto de muitos dos maiores veículos jornalísticos do mundo – dentre eles, a Rede Globo, BBC e Los Angeles Times. Seus trabalhos são focados na defesa de causas ambientais, o que lhe colocou em situações adversas em mais de uma ocasião. A exemplo disso, podemos citar o caso em que esteve infiltrada entre baleeiros das Ilhas Faroe para informar integrantes da ONG Sea Shepherd sobre os planos dos caçadores, o que permitiu que um navio da ONG estivesse a postos para impedir a matança. Em outras ocasiões, passou dois dias em uma solitária no Caribe por um protesto silencioso junto do Greenpeace; e ficou cara-a-cara com piratas somalis no Golfo de Áden, que separa o Iémen da Somália.

Através da fotografia foi premiada pela National Geographic pelo trabalho “Pelo Homem, Pela Natureza”, exposto em Paris, no Jardin des Plantes (2011), além de Cannes, neste mesmo ano, durante o Festival de Cinema. É autora do livro “Sete Anos em Sete Mares”, Cofundadora do Movimento Liga das Mulheres Pelos Oceanos e faz performances artísticas para dar voz aos oceanos.

Durante sua trajetória, a fotojornalista esteve sempre acompanhada de um fiel companheiro – seu diário de bordo. Nele, Bárbara registrou encontros e desencontros, conflitos, sentimentos pessoais, informações sobre os locais e suas missões no ativismo ambiental realizadas ao longo de anos nos sete mares. Com os caderninhos em mãos, Bárbara decidiu editá-los e compilá-los no livro “Sete anos em sete mares”, lançado no primeiro semestre de 2019 pela editora Seoman.

A Amazônia Latitude teve a oportunidade de entrevistar Bárbara a respeito de sua experiência com o ativismo, desenvolvimento e consumo sustentável, assim como suas perspectivas para a nova geração de ativistas. Confira a conversa abaixo:

 

– O crescimento constante da população mundial cria a necessidade de um modelo de consumo baseado na hiperprodução. Em entrevistas que você concedeu à outros veículos, você fala que uma das formas de se posicionar a favor do meio ambiente é mudar nossos hábitos de consumo, dando prioridade à produção local – no entanto, essa produção não é capaz de suprir a demanda global de centros urbanos por alimentos e demais produtos (mesmo sabendo que a produção em massa não acessível a todos). Você vê alguma alternativa para aliar o consumo e a produção consciente frente à demanda global?

Os números mostram que existe uma imensa perda de alimento no mundo. A América Latina, por exemplo, representa 20% desse desperdício. É imprescindível que a nossa relação com o alimento se refaça imediatamente impedindo decisões inapropriadas e um mecanismo que possam agregar todas as classes impedindo que esse grande problema de gestão continue.

A única forma que eu vejo é apoiando produções locais e melhor gerenciamento de recursos. Não faz sentido comprar produtos que venham de outros países. Os governos devem se responsabilizar para que essa relação com a terra possa ser estreita e engajada mundialmente. Ao invés de falar sobre consumo, porque não começamos exercitar o “não consumo”?

 

– Em sua trajetória de ativismo, você confrontou algumas das maiores empresas do mundo (como a Cargill em Santarém-PA), diretamente envolvidas na degradação acelerada do meio ambiente. Nesses casos, qual foi a resposta das empresas e quais efeitos surtiram as missões de protesto?

Em alguns casos empresas são fechadas, passam por um processo de análise ou pagam multas. Mas é uma luta de todos os dias, por existir uma série de forças contraditórias no poder, que estão interessadas no capital e manter a indústria de pé.

 

– A geração millenial tem se mostrado especialmente engajada na defesa do meio ambiente nos últimos anos – como podemos observar nas greves estudantis encabeçadas por Greta Thunberg. Levando em conta o envolvimento de gerações anteriores com a causa ambiental, como você enxerga a atuação e o desenvolvimento desses jovens tão engajados em salvar o planeta?

Questionar e agir deveria ser o papel de todo cidadão consciente. É lamentável que políticos não levem a sério o trabalho e alertas dos cientistas. Mas acredito que é dentro da crise que também existe uma revolução. A atitude de Greta e outros jovens da geração millenial tem um papel importantíssimo nesse caminho, onde se não formos às ruas, veremos um colapso real no mundo. Não é a toa que esses jovens tem criado uma atmosfera de constrangimento aos líderes mundiais. Eles têm urgência porque são eles (junto a nós) que terão que lidar mais energicamente com os desastres causados em nome da economia. Apoio manifestações e todo tipo de mobilização que pressione de forma coerente o rumo positivo para o futuro do Planeta. Que venham mais nomes para trazer essa voz da justiça pela vida, que na verdade, deveria ser a voz de todos.

 

– Além disso, como você compreende propostas como o Green New Deal?

Acredito que toda estratégia para enfrentar a crise climática é urgente no cenário que estamos. Já sabemos que se nada for feito, chegaremos a 1,5º C até 2030, o que é realmente assustador. Sou a favor da ciência, e desejo que esses estudos motivem políticos, governos, empresas e cidadãos a agir rapidamente para lidar de forma objetiva com a crise que estamos vivenciando.

Para isso acontecer, uma grande mudança radical se faz necessária. Então se a proposta conseguir cumprir com o fomento de indústrias “limpas”(usando a tecnologia para reduzir emissões e o lixo), promover ideias e inovações para proteger ecossistemas afetados, suprindo toda a demanda por energia elétrica e fontes renováveis, ou seja, alguns dos pontos tratados pelo “Green New Deal”, já vai ser um início importante e fundamental para essa transformação se consolidar.

 

– Em uma sociedade que pressiona por soluções dentro do próprio sistema capitalista, você acredita que os atuais representantes e políticos mundiais irão tomar alguma ação efetiva a respeito das mudanças climáticas, redução da biodiversidade e contaminação dos recursos naturais, ou isso ficará a cargo da nova geração?

É imprevisível. Mas de um jeito ou de outro, alguém vai ter que assumir essa responsabilidade e pagar essa conta. Quero poder acreditar que representantes e políticos tomem ações mais enérgicas quanto a crise climática e ambiental como um todo. Porém, com os interesses desse sistema, fico incrédula. Portanto acredito que o papel principal acabe ficando nas mãos do “consumidor”. Se boicotamos o capitalismo, ele começa a se configurar em um novo modelo na sociedade. Repensar o “não consumo” ao invés do consumo em si é a única ferramenta possível. O nosso escudo para inverter essa realidade.

 

– Hoje vivemos a era de democratização da fotografia, onde todos carregam uma câmera no bolso da calça. Levando isso em conta, como seu trabalho fotojornalístico é recebido por esse público habituado a um fluxo intenso de informação e imagens?

Cada trabalho comunica de uma maneira. Existe o que entendo como “fotografia urgente”, aquela que qualquer um pode fazer para comunicar ou denunciar algo. Assim como trabalhos pensados por profissionais que além de documentar fatos, pensam no impacto que aquela imagem pode causar usando o seu olhar artístico. Um não desvalida o outro. É incrível que todos possam se comunicar usando das mais diversas ferramentas e plataformas. Mas o que diferencia um profissional é o fato dele poder trazer a sua habilidade em determinadas circunstâncias, experiência no campo e assinatura artística em seu trabalho. Trabalho na fotografia e audiovisual há muitos anos, e acredito que quando os meus clientes me chamam para um trabalho, eles compreendem o meu diferencial. Além da parte técnica, meu engajamento e paixão pelo o que faço.

 

– Quais consequências seu trabalho como fotojornalista teve para os criminosos expostos por você?

Estive envolvida em alguns trabalhos que trouxeram visibilidade global de nomes e empresas em ações ilegais em meio a investigações e espionagem. É um grande desafio se colocar no front e criar uma denuncia, mas o impacto e as resoluções (ainda que temporárias) é o que faz o trabalho e riscos envolvidos valer a pena. Já fui presa, deportada, agredida, passei fome e frio em meu ofício. Levo a sério porque me entrego. Acredito que valha a pena. E enquanto estiver nesta jornada, lutarei com meu equipamento e corpo em nome de toda forma de vida.

 

– Recentemente você lançou “Sete anos em sete mares”. Considerando o baixo nível de escolaridade e hábitos de leitura no Brasil (país onde livros de YouTubers e de autoajuda lideram as vendas), o que você espera como resultado de seu livro?

Toda ação e movimento começa por algum lugar. Não tenho expectativas, mas desejo que o meu trabalho possa apoiar jovens em suas buscas e lutas. Recebi em poucos meses, desde o lançamento de Sete Anos em Sete Mares no Brasil, Portugal, Espanha e Estados Unidos (ainda que na língua portuguesa) um retorno muito interessante de pessoas anônimas nas redes sociais. Notei curiosidade e interesse. Em termos de escala, apenas o tempo poderá trazer um retorno para que eu entenda a dimensão da história real que vivi nesses anos de mar na vida das pessoas. Desejo que os educadores possam incentivar leituras de impacto e transformação, em tempos de escassez nas trocas literárias que gerem reflexão, ação e a possibilidade de um mundo mais engajado e comprometido.

 

– O título de seu livro me lembrou imediatamente de “Sete anos no Tibete”, que posteriormente se tornou um filme. A premissa de seu livro também carrega um tom aventureiro e empolgante. Você vê em seu horizonte profissional a possibilidade de projetos audiovisuais (filme, série) nascidos de “Sete anos em sete mares”?

Recebi a primeira sondagem para esse caminho recentemente. Além de trabalhar com fotografia, também sou diretora e por isso acredito nas diversas formas de comunicação para alcançar mais pessoas em temas socioambientais. Portanto, se esse tiver de ser a extensão do que vivi, que venha!

 

– Para finalizar, gostaria de deixar um recado para nossos leitores?

Somos os responsáveis diretos pela que queremos ver ao nosso redor. Agir é o único caminho possível para um mundo justo e equilibrado. Se as florestas e oceanos morrerem, nós morremos. Por isso acredito que a força do coletivo é única que pode, de fato, transformar o mundo!

 

Imagem em destaque – retrato de Bárbara Veiga. Foto: divulgação.
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