Migração, impacto ambiental e lugar de fala marcam o segundo dia de evento

Continuando as atividades, o Seminário Internacional de Ecologia Política: Justiça Socioambiental e Alimentar na Tríplice Fronteira Amazônica, deu início às sessões temáticas previstas no programa. Os objetivos definidos para o dia giraram em torno de impactos e justiça socioambientais em regiões de fronteira, assim como o trabalho da mulher relacionado à sustentabilidade na sociedade amazônica.

A Sessão I: Migração, fronteira e Impactos Socioambientais, moderada por Vitale Jaononi Neto (UFMT), começou com a apresentação de Júlio César Kahn (Instituto de Educação Superior Técnica Marechal Ramon Castilla, Peru), que tratou de políticas de desenvolvimento em fronteiras. César deu destaque para as Zonas de Integração Fronteiriças (ZIF), que envolvem projetos multilaterais entre Peru e países vizinhos, como Bolívia, Colômbia e Brasil. A ideia apresentada pelo pesquisador peruano é levar o desenvolvimento para regiões de fronteira através de projetos agrícolas, em contrapartida ao narcotráfico que domina diversas fronteiras latino americanas – principalmente no Trapézio Amazônico, região onde se concentra a maior produção de cocaína no mundo.

Em seguida, Jeffrey Hoelle, professor da Universidade da Califórnia, Campus Santa Bárbara, apresentou o paper “O Cultivo da terra e do corpo nas fronteiras florestais”. A pesquisa de Hoelle, centrada na fronteira acreana com a Bolívia, abordou a inscrição da cultura ocidental na natureza, uma forma de colonizar a diversidade polarizando o natural e o civilizado. Na teoria, defendeu que o movimento de globalização hegemônico se apresenta diretamente na estética de fazendas, que são consideradas como “espaços limpos e organizados”, em contraposição à fauna e flora nativas, vistas como desordenadas e primitivas. A pesquisa também apresenta a ideia de que essa acepção globalizadora também se reflete na aparência das pessoas, uma vez que a negação do modelo estético eurocêntrico pode ser considerada como uma forma de resistência.

Pedro Rapozo, docente da UEA em Tabatinga, apresentou uma parte das atividades de investigação desenvolvidos junto ao Núcleo de Estudos Socioambientais da Amazônia (NESAM), que há alguns anos trabalha junto à UEA na faixa de fronteira do Alto Solimões, pensando as principais questões socioambientais de gestão territorial com povos e comunidades indígenas tradicionais, assim como comunidades rurais, com foco no mapeamento e na cartografia dos conflitos socioambientais, pensando uma tipificação desses conflitos e sua relação com o narcotráfico; os processos de mobilização e organização política dos povos indígenas; os processos de re-existência; a invasão dos lagos; a exploração da madeira e do garimpo. A parceria tenta pensar a questão a partir de pesquisas quantitativas e qualitativas, produzindo mapas temáticos e situacionais, que são devolvidos para essas comunidades como um instrumento técnico referente a luta e a organização política desses povos. Após esse processo, os mapas são encaminhados para as instituições públicas para que elas tenham conhecimento desse processo e operacionalizar as ações de resolução desses conflitos.

Da esquerda para a direita: Antonio Carlos Witkoski (UFAM), Júlio César Schweickardt (FIOCRUZ), María Cristina Méndez Tapiero (FLACSO, Equador), e Virgílio Viana (Fundação Amazônia Sustentável).

Já a Sessão II: da injustiça social à justiça socioambiental, girou em torno da situação em que se encontram os povos indígenas na fronteira amazônica, com destaque para a participação e de Júlio César Schweickardt, da Fundação Osvaldo Cruz (FIOCRUZ), que falou a respeito de conhecimento tradicional e políticas públicas de saúde na Amazônia. Para Schweikardt, uma “epistemologia mestre” eurocêntrica não é capaz de abarcar todo a diversidade humana ao redor do globo, o que invalida qualquer forma de desqualificar ou submeter o conhecimento de povos tradicionais à uniformização do método científico. Nesse sentido, a identidade desses povos não pode ser resumida à uma questão meramente discursiva, uma vez que essa identidade faz parte da construção da organização política dos mesmos – como o caso da Associação das Parteiras Tradicionais do Estado do Amazonas – Algodão Roxo.

“Agricultura familiar no Amazonas” foi o paper apresentado por Antônio Carlos Witkoski, docente da Universidade Federal do Amazonas. Nele, Witkoski fala sobre a possibilidade de sustento da vida propiciado por ambientes de várzea, como pode constatar em suas pesquisas a respeito dos povos ameríndios que habitavam essas regiões antes da chegada dos colonizadores europeus. Esses povos praticavam a agricultura, o extrativismo vegetal e animal em ambientes de várzea sem agredir a natureza, um modelo de sociedade incompreensível para a racionalidade econômica dos conquistadores. Seguindo essa linha de raciocínio, mostrou como os camponeses também se aproveitaram do ciclo das águas para garantir sua sobrevivência e sustento, porém sem adotar o modelo sustentável dos ameríndios. Para o professor, o modelo sustentável de exploração dos recursos naturais amazônicos deve ter um caráter multilateral – o camponês não pode viver apenas da pesca, da agricultura ou do extrativismo, mas sim praticar essas atividades seguindo o ciclo natural de suas respectivas áreas, garantindo a preservação do ecossistema e do modo de vida sustentável dessas populações.

Ao final da segunda sessão, houve uma conversa entre líderes políticos e sociais da região a respeito de perspectivas, cenários e mobilização sócio-política. Para essa mesa foram convidados diversos representantes indígenas, incluindo Mislene Matchacuna Mendes Tikuna, membro da FUNAI e pertencente à maior etnia indígena do país. Segundo Mislene, atualmente as principais demandas dos povos indígenas é a demarcação de suas terras, a implementação de um sistema de saúde eficiente voltado para as comunidades distantes, e educação para preservação de sua cultura e história pelas próximas gerações.

A líder indígena também aproveitou a oportunidade para esclarecer que a FUNAI, que passa por dificuldades na atual conjuntura do governo federal, ainda exerce o importante papel de dialogar com outras instituições estatais para a manutenção e garantia dos direitos indígenas, diferente da noção geral de que a fundação exerça um papel maternal em relação aos povos indígenas.

Encerrando as palestras do dia, a Sessão III: Sustentabilidade e o trabalho da mulher, discutiu o papel social da mulher na construção de um desenvolvimento sustentável e justo na região. Mediada por Mislene Metchacuna, a mesa abordou questões como o lugar de fala, produção de alimentos, e relação das mulheres indígenas com a terra.

 

Imagem em destaque – (da esquerda para a esquerda) Júlio César Kahn, Pedro Rapozo e Jeffrey Hoelle.
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