Quilombolas de Cachoeira Porteira – territórios conquistados e os megaprojetos

Desde a década de 1960, os territórios quilombolas de Oriximiná têm sido atacados por megaprojetos econômicos. Podemos mencionar a Mineração Rio do Norte-MRN, que iniciou suas operações de extração de bauxita em 1979. Nesta mesma década foram planejadas para o rio Trombetas uma rodovia e uma hidrelétrica.

Em 1976, a empreiteira Andrade Gutierrez paralisou as obras do trecho da BR-163 que ligaria Cachoeira Porteira à BR-210 (conhecida como Perimetral Norte). Para a conclusão da obra, falta até hoje  o asfalto, uma das tantas ausências que condenaram a futura-velha rodovia ao esquecimento. Este megaprojeto atravessou o território quilombola de Cachoeira Porteira e destruiu castanhais e cursos d’água.

Ainda na década de 1970 estava planejada uma hidrelétrica que daria suporte ao projeto da Mineração Rio do Norte-MRN e ao Polo Industrial de Manaus. Atropelando todas as leis, a obra não esperou as devidas autorizações.  A empreiteira Andrade Gutierrez, que já dispunha de estrutura ociosa em decorrência da paralisação da rodovia, começou a trabalhar no canteiro de obras da futura usina. Suprimiu a vegetação e vendeu a madeira lenhosa para a MRN.

Após muitas denúncias e manifestações dos quilombolas de Oriximiná e outros segmentos da sociedade civil, o plano de construção da hidrelétrica de Cachoeira Porteira foi arquivado em meados da década de 1990. A partir daí, o governo brasileiro tem realizado a complementação dos estudos para o aproveitamento hídrico da bacia do rio Trombetas.

Os quilombolas de Oriximiná, Pará, são descendentes de africanos escravizados que resistiram, durante o século XIX, nas fazendas de criação de gado e plantações de cacau na região de Óbidos, de Santarém, e de Belém, e foram para os rios que compõem a bacia do Rio Trombetas. Estabeleceram-se por meio da  relação com os povos indígenas, da utilização da força de trabalho livre, da ocupação das áreas agricultáveis e extrativas e do uso comum dos recursos naturais – referimo-nos aos cultivos de tabaco, mandioca e cacau, à extração de madeira e à coleta da chamada castanha-do-brasil.

Os quilombolas que passaram a habitar o rio Trombetas e seus afluentes, no município de Oriximiná, Pará, têm enfrentado distintas ameaças ao longo dos séculos XIX, XX e nas primeiras décadas do XXI. Podemos destacar latifundiários e mineradoras, as últimas pela construção de barragens e os primeiros pelas restrições das políticas ambientais. Diante de muita luta, os quilombolas passaram a reivindicar formalmente suas terras tradicionalmente ocupadas.

Ciência tradicional

Os quilombolas de Cachoeira Porteira, Oriximiná, Pará, se inserem neste contexto. Trabalham fundamentalmente na coleta da castanha-do-brasil, além da prática de atividades agrícolas, de caça e pesca. A coleta da castanha envolve uma série de técnicas que perpassam a fabricação de instrumentos de trabalho e técnicas corporais, além do conhecimento tradicional associado à biodiversidade, como o manejo dos castanhais, designados por eles como “pontas de castanha”. Este manejo refere-se à relação tanto com a árvore da castanha, quanto com os animais que consomem a amêndoa.

O período da safra é designado localmente como o “tempo da castanha”, e os castanhais são chamados de “pontas de castanha”, podendo haver mais de uma ponta em um mesmo castanhal. O “tempo da castanha” é notadamente uma referência ao tempo ideal de coleta da castanha. Dentre as comunidades quilombolas do rio Trombetas, este tempo tem variações, algumas delas ocasionadas pela criação de unidades de conservação.

Não existe um sistema de instrução formal que ensine a prática tradicional de coleta e corte da castanha. O que se passa é um sistema de ensino que se baseia no contato geracional – os filhos acompanham os pais, tios ou outros membros da comunidade. Esse modelo de transmissão de conhecimento ocorre de forma oral ou por imitação.

As técnicas que envolvem a fabricação de paneiros, ou o corte do ouriço da castanha, o “corte em pé” ou o “corte no chão” são técnicas corporais. As designações enquanto pé e chão foram obtidas a partir da observação e classificadas de forma arbitrária, pois não estão autoevidentes no cotidiano.

No dia 03 de março de 2018, o governador do Pará esteve na comunidade quilombola de Cachoeira Porteira para a entrega do título de domínio territorial. O território abrange  de uso tradicional dos quilombolas, como áreas de castanhais, de roça, de pesca e de caça. O título corresponde ao território de domínio coletivo em nome da Associação dos Moradores da Comunidade Remanescente de Quilombo de Cachoeira Porteira (AMOCREQ-CPT) e dos quilombolas.

Este modo de vida volta a ser ameaçado por velhos planos, retirados dos baús da ditadura militar. O atual governo federal apresenta como novidades os empoeirados planos de integração. Assim proclamaram o “Projeto Barão do Rio Branco”, que prevê a construção de uma ponte sobre o rio Amazonas, na cidade de Óbidos, e da retomada da Hidrelétrica de Cachoeira Porteira. Tais planos foram escritos pelo General Maynard Marques de Santa Rosa, ainda em 2013, no documento intitulado “Uma estratégia nacional para a Amazônia Legal”.

É preciso lembrar que o General de Santa Rosa também integrava o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e foi exonerado por não concordar com a Comissão da Verdade.

 

1 – Território quilombola de Cachoeira Porteira – Vista foz do rio Mapuera, desaguando no rio Trombetas.

 

2 – Sr. Francisco Adão, na Zibeira – Território Quilombola de Mãe Domingas.

 

3 – Cachoeira do Jascuri, Rio Trombetas.

 

4 – Fábio, Galego, Pacu, Nazareno, Marcos, Max, Adriano e Wille, acampamento de castanheiros no Castanhal do Pirarara, Rio Trombetas.

 

5 – Acampamento de castanheiros, Ilha do Cutraval, Rio Trombetas (no fundo: Sr. Pedro Pereira “Pedrinho”).

 

6 – Tratando peixe, acampamento de castanheiros, Ilha do Cutraval, Rio Trombetas (na canoa: Adriano; de cócoras: Pedrinho e Nazareno).

 

7 – Acesso ao Ponto de desembarque de castanha, no Igarapé do 31 (BR-163), rio Trombetas (Dona Ivone e Lucinho)

 

8 – Ponto de desembarque de Castanha (Ponte do 31, BR-163), Rio Trombetas.

 

9 – Barracão de Castanha, Sede do Povoado de Cachoeira Porteira, Rio Trombetas (Sr. Ivanildo e Sr. Benedito).

 

10.1 – Sr.  “Pretinho”, mostrando o corte do ouriço da castanha feito em pé, castanha do Traval, rio Trombetas (Como segurar o ouriço).

 

10.2. 10.1. Sr.  “Pretinho”, mostrando o corte do ouriço da castanha feito em pé, castanha do Traval, rio Trombetas. (Detalhe segurando o ouriço).

 

10.3. Sr.  “Pretinho”, mostrando o corte do ouriço da castanha feito em pé, castanha do Traval, rio Trombetas (Detalhe da abertura do ouriço).

 

11.1. Sr. Manoel (in memoriam), mostrando o corte do ouriço da castanha feito sentado, castanha do Traval, rio Trombetas (Como segurar o ouriço).

 

11.2. Sr. Manoel (in memoriam), mostrando o corte do ouriço da castanha feito sentado, castanha do Traval, rio Trombetas (Detalhe segurando o ouriço).

 

11.3. Sr. Manoel (in memoriam), mostrando o corte do ouriço da castanha feito sentado, castanha do Traval, rio Trombetas (Detalhe da abertura do ouriço).

 

 

As imagens exibidas neste ensaio foram produzidas durante o trabalho de campo na comunidade quilombola de Cachoeira Porteira, em 2012, para a elaboração do relatório antropológico com vistas à titulação do território quilombola, de acordo com os termos do Contrato de Prestação de Serviços Nº05/2012-IDESP, a partir do Termo de Cooperação Técnica e Financeira nº 001/2012, de 08/02/2012, celebrado entre a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA), Instituto de Terras do Pará (ITERPA) e o Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará (IDESP).
Emmanuel de Almeida Farias Júnior é  professor do Departamento de Ciências Sociais-DCS e Programa de Pós-Graduação em Cartografia Social e Política na Amazônia-PPGCSPA, Universidade Estadual do Maranhão-UEMA.

 

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