Funai e Ibama não comparecem à Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável

Erik Jennings apresentou estudos sobre os impactos do mercúrio na saúde humana durante a audiência — Foto: Agência Câmara/Divulgação
Intoxicação mercurial foi pauta na audiência pública realizada na Câmara dos Deputados

A Comissão do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados realizada no dia 23 de abril, sob a autoria de Nilto Tatto, deputado federal pelo estado de São Paulo, debateu a questão da mineração na região do rio Tapajós, no Pará. Erik Jennings, representante da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai); Heloísa Meneses, Professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) e Gecivaldo Ferreira, Delegado da Divisão de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente e Patrimônio Histórico da Polícia Federal foram alguns dos presentes para discutir os riscos humanos e ambientais gerados pelas mineradoras. Dois órgãos importantes na elaboração e resistência de política indigenista e ambiental não estiveram presentes. O presidente da Fundação Nacional do índio (FUNAI), Franklimberg Riberito de Freitas, e o diretor de Proteção Ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Olivaldi Alves Borges Azevedo, justificaram a ausência por motivos de compromissos agendados anteriormente.

Durante a apresentação da Comissão, Nilto Tatto (PT), ao agradecer os convidados presentes, comentou que as resoluções sobre a medida provisória 870, que reestrutura toda a organização do Estado, poderia justificar a ausência do representante da Funai.  Em seguida, Camilo Capiberibe (PSB) lamenta a ausência do governo por considerar de fundamental importância e questiona “infelizmente não puderam estar presentes ou não quiseram estar presentes aqui nesta oportunidade”.

Alessandra Korap Silva, ativista indígena, esteve na audiência pública para demonstrar, através de sua experiência com dez aldeias, as dificuldades encontradas pelos ribeirinhos em se alimentar e beber água dos rios diante de toda a contaminação provocada pelo extrativismo de minério. O descontentamento provocado pela ausência do representante da Funai  marcou o início da fala de Alessandra. “Eu estava esperando o presidente da Funai nessa mesa, por que é muito importante. Falar do rio e da floresta, vê que ele não está interessado nisso. Ele está interessado em explorar, em vender e em expulsar ao mesmo tempo. É meio doído isso”, expressa a ativista com tom de desânimo.

Uma das principais funções da Funai, nas últimas décadas, era a responsabilidade de demarcar territórios indígenas.  Nos primeiros dias do governo Bolsonaro, foi publicado no Diário Oficial que tal atribuição passaria ser compromisso do Ministério da Agricultura – posteriormente foi transferida para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, sob a direção da pastora evangélica Damares Alves.. A medida provisória retira da Funai o direito de identificar, delimitar, demarcar e registrar territórios como terra indígena. A gestão do atual presidente tem a intenção de paralisar processos de demarcação em andamento e também de rever territórios indígenas que são demarcados, principalmente em áreas que podem servir de investimento para o agronegócio e para a mineração. As regulamentações dos territórios indígenas é um direito constitucional e originário dos povos nativos que tem como objetivo garantir a continuidade de vida dos indígenas e o equilíbrio ambiental do planeta.

A fundação passa por dificuldades orçamentárias e estruturais desde os últimos anos, e a falta de funcionários atinge toda a instituição. Os setores que desenvolvem trabalho em áreas próximas de terras indígenas, de maior disputa fundiária, são os mais atingidos. De acordo com o trabalho “Análise da Distribuição de Força de Trabalho da Fundação Nacional do Índio”, de autoria de Helton Soares dos Santos, ex- servidor do órgão, realizada em 2017, expressa que das 240 Coordenações Técnicas Locais (CTLs), apenas 139 contavam com mais de dois servidores ativos, e 22 não contavam com nenhum funcionário no período analisado.

A ativista indígena Alessandra Korap Silva fala durante a comissão. Foto: Agência Câmara/ Cleia Viana.

A finalidade de fiscalizar a relação com o meio ambiente e dar licenciamento para obras é de responsabilidade do IBAMA. O Instituto nasceu depois do período da Ditadura Militar, fase de expressiva exploração de recurso natural, e em meio à necessidade de inserir o país aos padrões econômicos internacionais que contavam com a preservação ambiental como critérios para financiamentos.  O atual Ministério do Meio Ambiente cortou 24% o orçamento anual previsto para o IBAMA, o que impactará os serviços de fiscalização e manutenção do meio ambiente. Em 2017, o Brasil ocupou o primeiro lugar entre os países que mais destruíram florestas tropicais no mundo.

As atividades garimpeiras estão presentes há décadas no rio Tapajós. Muitas delas são irregulares, como apresentado por Gecivaldo Ferreira e Gustavo Geiser, perito da Polícia Federal, durante a Comissão, o que ocasiona mais detrimento à natureza. Impactos ambientais são inerentes à atividades de mineração, mas o que diferencia empresas regularizadas de irregulares é o compromisso por parte dos proprietários com a reparação ambiental. No médio – Tapajós é comum encontrar crateras  decorrentes das atividades mineradoras que causam erosão do solo com a consequente liberação de mercúrio. Muitos rios dessas áreas estão com as margens destruídas e tingidos de argila. O ativista indígena conta a realidade dos povos que dependem do rio Jamanxin.

“Pra cá tem outra aldeia que, no ano passado, na seca, eles não estavam achando água. Eles estavam cavando com as próprias mãos. Eles não têm assistência do município para abastecimento de água […] Infelizmente, temos que beber essa água, a única água barrenta que nós estamos bebendo. Tem mulheres grávidas que…. antigamente não ‘tinha’ aborto espontâneo e agora ‘está’ tendo”, comenta Alessandra Korap.

Gustavo Geiser alertou que muitas das comunidades nativas ficam reféns de garimpeiros para sobreviver, já que a alteração da qualidade das águas impacta na vida dos peixes, fonte de alimento dos indígenas. Além disso, um laudo feito pela perícia de Santarém em relação à lama derramada pelos rios garimpados no Tapajós mostra que a quantidade chega a sete milhões de toneladas por ano.

Mercúrio

Um dos destaques da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável foi o perigo decorrente da exposição de seres humanos ao metil mercúrio. . Antes de explicar sobre os efeitos nocivos à saúde humana, Erik Jennings, neurocirurgião e representante da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), evidencia que existe muito ouro na Amazônia e, por isso, há muito mercúrio no solo, que o encontro dos rios com temperaturas diferentes favorece a metilação do mercúrio e que há também a retirada do mercúrio da atmosfera.

Trabalhos científicos iniciados há três décadas evidenciam elevados índices de metil mercúrio nos cabelos das pessoas do entorno do Tapajós. “Toda essa destruição do leito do rio e toda essa lama vai para o rio maior e esse sedimento é rico em mercúrio que, posteriormente, vai ser metilado. O mercúrio inativo, não venenoso, é jogado no rio e, nesse ambiente, de pouco oxigênio, ele é metilado e entra na cadeia alimentar dos pequenos peixes e, obviamente, quem vai ser o final da cadeia é o homem que vai sofrer as consequências”, explica Erik Jennings.

Foto: Reprodução/ Tv Câmara

O mercúrio atravessa a barreira hematoencefálica do cérebro, responsável por proteger o órgão de metais e outras substâncias, e também pode transpor a placenta, o que pode ocasionar lesão irreversível no sistema nervoso e, algumas vezes, no coração e no sistema Imunológico.  

O médico também conta que 90% dos 232 pacientes dos Dseis Tapajós são crianças, muitas delas não possuem diagnósticos claros. Elas vêm de áreas com histórico de mineração. O tratamento se restringe a reabilitação e a terapia ocupacional, mas não há  cura para os sintomas.

O trabalho de Heloísa de Moura Meneses, Professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), contribuiu para o debate sobre a intoxicação mercurial através de peixes contaminados em pessoas localizadas na região de Santarém, no Pará.  A tese de doutorado evidencia o índice de concentração de metil mercúrio no sangue dos indivíduos. A substância é altamente perigosa para a saúde humana devido ao seu elevado nível de toxicidade.

“No ambiente amazônico, a gente tem a fonte de mercúrio, uma fonte natural. Ele também é transportado pelo ar e, isso também é importante, porque, por muito tempo, imaginava-se que apenas as áreas próximas ao garimpo eram áreas expostas ao mercúrio e, no entanto, não é verdade. A outra fonte de origem de mercúrio é a origem antrópica, né? Tem aí o garimpo, o desmatamento, os incêndios, mudanças no uso da terra, hidrelétricas, tudo isso vem contribuindo para o que a gente chama de remobilização do mercúrio, ou seja, aquele mercúrio que estava ali depositado no solo devido fatores naturais ou mesmo antrópicos, com o processo de desmatamento, dos incêndios florestais e erosão do solo, esse mercúrio se torna disponível de novo para o ambiente podendo ser metilado e ele se torna disponível para os peixes e, consequentemente, para os seres humanos”, explica a professora.

E exposição ambiental é a mais comum e uma das causas é a ingestão de peixes. A organização mundial de Saúde (OMS) considera exposto aos níveis de mercúrio os indivíduos que apresentam mais de 10μg/L (microgramas de mercúrio por litro de sangue). A tese de doutorado de Heloísa evidencia que aproximadamente 65% das pessoas estudadas apresentaram níveis de mercúrio acima do limite – os que declaram consumir peixe mais de três vezes na semana apresentaram uma média de 30μg/L do metal.

 

Na foto em destaque – Erik Jennings apresentou estudos sobre os impactos do mercúrio na saúde humana durante a audiência. Créditos: Agência Câmara/Divulgação
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