Agronegócio em Belterra gera aumento na mortandade de abelhas

Produtor relata efeitos da monocultura da soja em abelhas da Amazônia

A meliponicultura, atividade que consiste na criação de abelhas sem ferrão, tem por objetivo a comercialização de colmeias, mel, própolis, pólen, entre outros, para a fabricação de alimentos, produtos medicinais e estéticos. As abelhas são responsáveis pela polinização de diversos produtos de origem agrícola, assim como da flora nativa, onde desempenham um papel vital na reprodução de diversas espécies. No entanto, a meliponicultura e a apicultura enfrentam um grave problema – o envenenamento de abelhas por agrotóxicos.

Em entrevista à Amazônia Latitude, João Batista Ferreira, conhecido como João do Mel, falou sobre o efeito dos agrotóxicos nas abelhas que cria em Belterra-PA. Sua criação convive lado a lado com a cultura da soja, que necessita de quantidades abundantes de agrotóxicos para garantir a colheita, o que leva suas abelhas a adoecer. Segundo João “de vinte anos pra cá, as abelhas canudo (Scaptotrigona depillis) produziam numa faixa de seis a sete quilos de mel, hoje estão produzindo dois quilos, dois quilos e meio de mel. Então, cadê o pasto dessas abelhas? Cadê os pastos meliponíacos? Eles quase não existem mais”.

O meliponicultor aponta para o fato de vereadores em Belterra fazerem parte do agronegócio, o que dificulta a fiscalização e regulação do plantio de soja. Em seu relato, afirma que o agronegócio chegou ao município através da ação de diversos prefeitos e agentes fiscalizadores, sobrepondo a atividade às necessidades do pequeno produtor. “Você sabe muito bem que quem tem poder, quem tem dinheiro, faz o que quer. Então, infelizmente, a realidade é essa”, revela João.

Além da contaminação das abelhas, João do Mel aponta para outra transformação decorrente do agronegócio – o aumento na temperatura ambiente na região. Segundo ele, o clima no município costumava ser muito frio durante a noite e a madrugada, mas questões como o desmatamento, a exaustão dos solos, entre outras causas, foram responsáveis por elevar a temperatura.

“Hoje você não sabe quando é noite, quando é dia, o tempo todo é muito quente. A chuva esse ano foi mais tarde. Então a gente já vê muita coisa complicando no meio ambiente, causa um impacto muito grande”.

Além dessas questões, João menciona a degradação das florestas ao redor de pastos de abelha. As abelhas sem ferrão possuem um raio de voo de 5km, onde elas podem coletar alimento e o pólen necessário para a produção de mel. Sem a floresta, as abelhas tem sua reprodução e produção drasticamente afetadas. “E aqui não tem cinco quilômetros de distância em quase lugar nenhum”, revela João.

Soja e Agrotóxicos

O município de Belterra, localizado no Planalto Santareno, tem na soja uma de suas principais fontes de renda – segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a soja correspondia a 37,62% da produção agrícola do município em 2010, distribuída em 10 mil hectares, gerando R$10 milhões em receita – esse número subiu para R$40 milhões em 2015, um aumento de 300% em cinco anos. Mas a ampla participação da soja na economia de Belterra não se reverteu em benefícios sociais para sua população. Segundo dados do IBGE referentes ao ano de 2017, apenas 20,7% das residências possuíam sistema de esgotamento sanitário adequado, 7,3% da população é formalmente ocupada, enquanto 52,1% vive com uma renda per capta mensal de até meio salário mínimo.

A cultura da soja é conhecida por fazer uso extensivo de agrotóxicos e pesticidas, como é o caso do fipronil, inseticida responsável por diversos tipos de pragas das lavouras, mas seguro para seres humanos e demais mamíferos. No entanto, o fipronil é altamente letal para abelhas, que entram em contato com a substância ao polinizar a soja durante a fase de floração da planta. Ao retornar para sua colmeia, a abelha infectada acaba contaminando seus pares, provocando a morte de toda a colônia. Nos estados do Sul, estuda-se a possibilidade de o fipronil ser um dos responsáveis pela morte de cerca de 500 milhões de abelhas em 2019.

Comercializado desde 1994, o fipronil é utilizado como inseticida, agindo nas células nervosas dos espécimes contaminados. Ele está presente em vários produtos antiparasitários aplicados em animais domésticos e também contra a infestação de residências. É muito usado nas lavouras de milho, maçã-verde e girassol, mas sua eficácia contra insetos considerados pragas torna-o uma opção para outras culturas. Desde 2004, países europeus proíbem o uso de fipronil por estar relacionado à morte de abelhas, assim como a contaminação de produtos agropecuários como os ovos de galinha.

Em matéria do jornal Brasil de Fato, a bióloga Mayá Schwade calcula que 80% das espécies de plantas de uso comercial dependem de polinização por animais. Ela alerta que o desaparecimento das abelhas é um fenômeno global atrelado, além do grande uso de pesticidas e inseticidas, à presença de monoculturas, como a soja no Planalto Santareno, que acabam com a biodiversidade nos arredores das plantações, dificultando a sobrevivência das abelhas.

“As abelhas tem vários locais que elas podem ter ninhos, dependendo da espécie, pode ser no chão, pode ser num oco, se a gente remove essa biodiversidade a gente vai também fazer com que decline a quantidade de núcleos e as abelhas precisam também estar trocando a variedade genética”, afirmou Mayá.

 

 

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