Kibutz Científico: uma saída para a Amazônia

“Não existe mais uma solução que não seja utópica, tudo mais é impraticável na Amazônia”

Lúcio Flávio Pinto é o único brasileiro na lista dos 100 jornalistas mais importantes da ONG Repórteres sem Fronteiras, publicou mais de 20 livros sobre meio ambiente e Amazônia (entre eles Guerra Amazônica, Jornalismo na Linha de Tiro e Contra o Poder), foi professor visitante no Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade da Flórida (1983-84), assim como no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos e no curso de jornalismo da Universidade Federal do Pará. Ao longo de seus 50 anos de experiência, acumulou cerca de 33 processos relativos ao seu trabalho de denúncia e combate aos grandes monopólios na região amazônica. Com tanto tempo de luta, Lúcio acredita apenas em uma utopia para solucionar a destruição da Amazônia.

“Não é o desmatamento zero, que ninguém nunca vai conseguir alcançar, não é fechar porteira, porque é constitucionalmente impossível, a prática é impossível – seria colocar o cientista na linha de frente”.

Lúcio defende a construção de um Kibutz Científico na Amazônia, com a criação de um campus universitário dentro da floresta com o objetivo de formar doutores em engenharia florestal com fortes ligações ao meio em que estão inseridos. Na visão do jornalista, o candidato à vaga nessa universidade teria que, já no ingresso, apresentar um projeto de doutorado que deve ser executado durante todo o curso. Esse projeto, que pode ser alterado durante o percurso, deve ser viável econômica, social e ambientalmente. Ao final do curso, o engenheiro recebe, além do diploma, os 500 hectares de terra no qual ele desenvolveu sua pesquisa no regime de comodato – que consiste no empréstimo de um terreno ou imóvel por determinado período de tempo e pode ser firmado oralmente, uma forma de acordo informal entre comodante (que empresta) e comodatário (que recebe o empréstimo).

“Certamente, nesses sete anos em que ele executar o projeto, ele vai conversar com as populações nativas, os vizinhos vão lá no projeto dele, é o que o Banco Mundial criou como PDA ( Projeto Demonstrativo), mas não demonstrativo cientificamente, com uma base em Nova Iorque, Londres, Brasília, São Paulo, mas sim no meio da mata, conversando e demonstrando para a população nativa que a ciência tem um grande fator – ela economiza tempo”, avalia Lúcio.

Kibutz

Concebidas em território israelense, os Kibutz são uma modalidade de fazenda comunitária que buscam a sustentabilidade da produção e a igualdade social dentro de suas delimitações. Todo o trabalho e seus frutos são divididos igualmente entre os membros. Sua estrutura contempla escolas, hospitais e indústrias para o beneficiamento da produção interna – seja ela voltada para a agricultura ou pecuária.

Mesmo dentro de um modelo de democracia participativa, os Kibutzins (como são chamadas as fazendas individualmente), falharam em conseguir a autossuficiência na produção de suprimentos básicos, necessitando de ajuda financeira do Estado de Israel. Com o tempo, algumas comunidades desenvolveram manufaturas como alternativa para a economia interna, o que culminou em uma indústria para a fabricação de ferramentas para corte de diamantes no Kibutz Degania, que rende milhões de dólares todos os anos. O famoso modelo de irrigação por gotejamento também foi desenvolvido dentro dessas comunidades, especificamente no Kibutz Hatzerim, resultando na multinacional Netafim, que teve uma renda bruta de US$133 milhões em 2017, e projeta um amento de 50% em sua receita até 2020. Segundo o site do Kibutz Hatzerim, a empresa possuí 17 fábricas ao redor do mundo e emprega mais de quatro mil pessoas.

Adaptação do Kibutz para a Amazônia

Lúcio compreende que para implantar um regime de Kibutz na Amazônia será necessário o apoio do Governo Federal, uma vez que a possibilidade de auto sustentabilidade é inviável, tanto na área de manutenção quanto de segurança. Essa ideia se reflete o argumento de tornar o projeto a ser desenvolvido pelos estudantes economicamente viável, que possa encontrar um mercado e coexistir com a sociedade de consumo de forma sustentável – a mesma alternativa encontrada pelo Kibutz israelense. Para isso, defende que o cientista precisa ter uma relação pessoal com a terra, pois tem ciência que o cientista incauto tem a capacidade de agravar a situação.

“Então eu acho que se não colocar a ciência dessa forma, não a ciência convencional, mas essa ciência do Kibutz…. o que é o Kibutz? É uma unidade que luta contra as questões adversas – um regime socialista. Não é que eu queira o socialismo, é o capitalismo que vai continuar, mas a forma ali é a da missão, mas não uma missão pela ciência – é o cidadão que começou lá, solteiro, jovem, iniciando a graduação, que se torna, ao fim de sete anos, o dono de um imóvel de grande valor, que vai produzir bens que encontram um mercado, com preços que remuneram, e que é viável economicamente, e que ele mostrou aos vizinhos que ele é o melhor plantador daquela área. Se ele não mostrar isso, do que adianta a ciência? ”

 

Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1973. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém (PA) desde 1987. Em 2005 recebeu o prêmio anual do Comittee for Jornalists Protection (CPJ), em Nova York, pela defesa da Amazônia e dos direitos humanos. É o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras em 2014
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